Narrado por uma miríade de vozes de uma geração que
morreu vítima da Aids, Dois Garotos Se Beijando, de David
Levithan, é um
livro de rasgar o coração. Intercala-se a leitura de suas páginas com
lágrimas.
Acompanhamos Harry e Craig, dois adolescentes de 17
anos, ex-namorados, na sua tentativa de passar 32 horas se beijando para figurar
no Livro dos Recordes. O desafio é fazer desse um ato público e político, em
frente à escola em que ambos estudam e assim dar visibilidade a um tema tabu e ampliar
o espaço da luta contra a homofobia e o preconceito.
Curiosamente, essa história
é inspirada em um fato real. Os universitários Matty Daley e Bobby Canciello se
beijaram sem parar por 32 horas, 30 minutos e 47 segundos no campus da
Universidade de Nova Jersey.
Pelas regras do Guinness, o ato tinha que ser público e eles não podiam se sentar, usar o sanitário ou fraldas de adultos e tiveram que suportar o calor, o desconforto e as fortíssimas dores musculares sem desgrudarem os lábios por sequer um segundo.
Mas o livro ainda conta três outras histórias paralelamente: a de Peter e Neil, dois jovens que estão juntos há um ano; a de Ryan e Avery, que se conhecem num baile gay e um deles tem que se decidir como revelar que é transexual; e Cooper, um garoto solitário que atravessa suas noites em salas de bate papos na internet com homens desconhecidos e precisa enfrentar o drama de ter seu segredo descoberto pelos pais da pior maneira.
Todos os narradores unem-se em uma só voz para
contar as histórias desses adolescentes. Eles, os narradores, já conhecem todas
aquelas emoções por já terem vivido os mesmos dramas e afetos, enfrentaram os
mesmos preconceitos e sentiram as mesmas dores quando estavam vivos. “Somos
os fantasmas da geração mais velha que sobrou. Você conhece algumas das nossas
músicas. Não queremos assombrar você com melancolia demais. Nós te ensinamos a
dançar.”
Dizem.
Ao
mesmo tempo em que os narradores demonstram empatia pelos dramas dos novos
jovens, recordam a ironia do seu próprio tempo, refletindo “quando paramos de querer nos matar,
começamos a morrer. Quando estávamos sentindo força, ela foi tirada de nós.
Isso não deve acontecer com vocês.”
O conhecidíssimo poema Filtro Solar, versão do original de Mary
Schmich diz: “Conselho
é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado
do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que
vale.”
É isso que se vê em Dois Garotos se Beijando. Há uma dor
subjacente ao fato de que estamos diante de conselhos de homens mortos tentando
ajudar jovens vivos, evitando assim que eles passem pelos mesmos dissabores.
Mas sabemos que isso é inútil não apenas porque os conselheiros estão mortos e
nada podem fazer, mas porque conselhos são meras formas de nostalgia vã.
Por outro lado, há uma beleza imensa em poder ler essas
páginas, esses conselhos mesmos, como se ainda houvesse alguma esperança. Mas eles, os
narradores reconhecem: “Raramente somos
unânimes em relação a alguma coisa. Alguns de nós amaram. Alguns não
conseguiram. Alguns foram amados. Alguns não foram. Alguns nunca entenderam
para que tanta confusão. Alguns queriam tanto que morreram tentando. Alguns
juram que morreram de coração partido, não de AIDS”
Ao
final da história, uma espécie de grito de desafio, uma ode à visibilidade com
a qual não vejo outra forma mais perfeita de encerrar esse comentário: “Se juntarmos armários suficientes, temos o
espaço de um quarto. Se juntarmos quartos suficientes, temos o espaço de uma
casa. Se juntarmos casas suficientes, temos o espaço de uma aldeia, de uma
cidade, de uma nação, do mundo”.
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