Os dois títulos acima fazem
parte das 31 obras geniais do polêmico norte americano Phillip Roth, morto em
maio último.
Roth foi um dos escritores
mais prestigiados no mundo, o único americano em vida a ter suas obras
completas publicadas pela Library of America, instituição que objetiva
preservar a herança cultural americana. Oito dos seus livros foram adaptados
para o cinema e o número de prêmios é respeitável, só tendo lhe faltado o
Nobel, o que sempre motivou críticas unânimes à academia sueca.
O
Complexo de Portnoy é a terceira obra de Roth e quando do seu lançamento, em
1969, foi uma bomba em termos de repercussão e polêmica. O livro levou o autor
ao patamar dos grandes escritores e deixou-o milionário. Em 1972 o livro foi adaptado para o cinema
Toda a narrativa do livro é
uma grande sessão de terapia do judeu americano Alexander Portnoy, — todos os
protagonistas dos livros de Roth são judeus, como ele, espécies de alteregos —
e aqui o narrador expõe ao analista suas pulsões sexuais incontroláveis e as
obsessões com as quais não sabe lidar e que tenta, sem sucesso, reprimir.
Ao mesmo tempo o livro é
obsceno e divertido e Portnoy tornou-se símbolo de uma cultura, um feito e
tanto para um autor que ainda escreveria, com grande sucesso, dezenas de livros
depois deste.
Quase meio século após seu
lançamento, O Complexo de Portnoy mantém sua força, mesmo não chocando tanto
como nos anos 70 e 80, quando a contracultura e a luta pelos direitos civis
eram mais vibrantes.
Portnoy, o atormentado pelo seu forte Complexo de Édipo e culpa, não terá facilidade para se livrar das suas
neuroses e da fortíssima influência da mãe judia — mãe judia é um clássico:
"Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no
primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram
minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao final das aulas, eu voltava
correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos
antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na
cozinha, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me
livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos
poderes dela”.
Com linguagem vulgar e narrativa sem cronologia, quase fluxo de pensamento, já que se trata de uma grande sessão catártica com um terapeuta, Roth
não economiza nas tintas e percebemos um Portnoy repleto de autoironia,
inteligência e sagacidade. Em certas passagens, como já foi relatado por vários leitores, fui tomado por gargalhadas. Despudorado e engraçado, esse livro conquista. Não
pede licença nem perdoa.
Leia-o com deleite e sem
culpa. Deixe toda culpa para o pobre Portnoy, pois ele já a tem de sobra.
O Teatro de Sabbath, de
1995, era o livro favorito do próprio Phillip Roth, entre todas as suas obras.
Mais polêmico ainda do que O Complexo de Portnoy, a obra tornou-se de imediato
um fenômeno em termos de adoração ou aversão. As feministas mais ferrenhas
chegaram a colocá-lo no índice dos livros mais odiosos e seu personagem
principal, o cínico e imoral Mickey
Sabbath, considerado a epítome do porco chauvinista.
O judeu quase septuagenário
Mickey Sabbath é um artista de fantoches aposentado apresentado ao leitor em
plena crise existencial e decadência física e moral. Acompanhamos seu declínio
graças ao talento para criar conflitos e buscar situações limites que o levem
cada vez mais para baixo. Nesse caminho, ele vê seus pouquíssimos amigos
morrendo e em alguns momentos temos a impressão de que este homem é um bólido
desgovernado que só é capaz de sentir e causar amargor.
Ledo engano. Sabbath, contra
todo seu instinto canalha, mantém forte melancolia com algumas pessoas: o irmão
mais velho, herói aviador abatido pelos japoneses na 2ª Guerra; a mãe, força da
natureza e esteio da família, em demência senil após não superar a morte do
filho. Após a morte da mãe, o pai de Sabbath segue o mesmo destino.
Sozinho, esse homem faz sua
jornada rumo a um prometido, mas improvável suicídio. No caminho, conquistando
prisão por indecência, demissão da Universidade por assédio sexual a uma aluna
graças à férrea recusa em integrar uma sociedade onde há convenções e regras,
Sabbath é incoercível seja pela lei, pelos costumes, pela moral ou pelo
remorso. Trai, rouba, mente, subjuga, corrompe e estraga tudo à sua volta.
Mesmo atormentado pelos
fantasmas do passado — em certos trechos há vários diálogos com a mãe morta
(uma imagem extremamente judaica) — uma metáfora da sua solidão, ele vive
cercado de mulheres com quem divide a sexualidade desregrada.
Mas Sabbath não é um
personagem óbvio, um vilão raso, pois sob um olhar mais cuidadoso do leitor,
exibe talvez um envergonhado verniz de ternura. Isso fica evidente na sua busca
desesperada por um sentido final para sua vida após a morte de todos os seus
parentes e mesmo após o câncer levar a sua amante, alguém tão importante para
ele quanto foi a própria mãe.
Após Sabbath perder tudo e
todos, já totalmente à deriva, Phillip Roth, como que emulando Machado de Assis
ao defender seu Bentinho em Dom Casmurro, diz diretamente para o seu leitor:
“Não seja tão duro com Sabbath, Leitor”. E defende seu protagonista a seguir,
refletindo sobre qual homem resistiria a uma oferta sedutora, repetida várias
vezes por uma moça com um terço da sua idade: “Nem o turbulento debate
interior, nem a superabundância de autossubversão, nem os anos de leitura sobre
a morte, nem a amarga experiência da aflição, da perda, da injustiça e da dor tornam
mais fácil fazer bom uso dos seus miolos quando confrontado com uma oferta como
aquela”.
Para o leitor brasileiro,
sobretudo baiano, o livro reserva alguns momentos mais divertidos quando o
protagonista relembra seu período de marinheiro, onde só lhe importava chegar a
um porto qualquer para se deleitar nos prostíbulos do lugar. Sobre Salvador,
Sabbath afirma que havia uma igreja e um bordel para cada dia do ano: “Lugar
propício à imaginação, a Bahia” e recomenda a um dos poucos amigos deixar sua
jovem filha virgem vir para cá: “Ela aprenderia muito mais sobre o texto
criativo em um mês na Bahia do que em quatro anos na Universidade Brown”. E ao
revirar as gavetas da moça e só encontrar objetos que denotam seu recato, o
bruto sentencia sobre ela: “Você não sobreviveria cinco minutos na Bahia”.
Tudo bem que só li "O
Teatro de Sabbath" este mês, mas estou sobrevivendo na Bahia há 55 anos.
Não podem me acusar de recato!
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