Mais
um filme argentino chega às nossas telas para reforçar a tradição de que o cinema
feito pelos nossos hermanos consegue ser muito melhor do que o nosso.
Utilizando-se de ótimos roteiros, diálogos naturais, excelente direção e uma
linguagem de apelo universal, o cinema argentino dá sempre um show e nos faz
perguntar por que não conseguimos fazer igual.
O
filósofo Luiz Felipe Pondé, sempre atilado, aponta como uma das causas a nossa
predileção pelas fórmulas fáceis e batidas: as comédias escrachadas, o
amor neurótico e o “coitadismo” (coitado do pobre, do bandido, do drogado ou
pobre é lindo, bandido é lindo, drogado é lindo), a chamada crítica social. A
gente não corre o risco de ver essas baboseiras no cinema argentino, sempre
muito mais maduro do que o nosso.
Relatos
Selvagens, dirigido por Damián
Szifron, é dividido em seis
excelentes episódios e isso é raro nesse tipo de filme, nos quais costumamos
ver alguns episódios bons e outros ruins, como na série I Love New York, I Love
Paris e I Love Rio. No caso do último, talvez chame a atenção o fato de que, ao
contrário dos seus predecessores, todos os episódios são ruins.
Para
não ser injusto, não dá para não mencionar outros grandes filmes divididos em
episódios, como Dolls, do diretor Takeshi
Kitano, com suas três belas histórias retratadas com delicadeza
tipicamente oriental; ou Contos de Nova Yorque, dirigido pelo trio Scorsese, Coppola e Woody Allen; ou o belíssimo Eros, também de um trio de
diretores de peso: Antonioni, Steven Soderbergh e Wong Kar-Wai.
O leitor deve estar se perguntando
se o autor dessas mal traçadas vai passar o texto inteiro falando de outros
filmes ou vai começar, afinal, a falar de Relatos Selvagens...Que bom que o
leitor lembrou. O autor se empolgou e se desculpa.
A
primeira história de Relatos Selvagens é quase uma vinhetona, já que precede os
créditos. Em um avião todos os passageiros descobrem que conhecem a mesma
pessoa e que todos a prejudicaram no passado. O episódio termina com o cinema
inteiro em uma grande gargalhada de nervoso. Ah como a vingança pode ser doce.
Mas é puro humor negro pois o subconsciente, esse intrometido pronto para
estragar qualquer farra, sopra nos ouvidos a famosa frase de Confúcio: “Ao
embarcar para uma vingança prepare duas covas” Duas?
E
as histórias se sucedem. Uma garçonete vê a chance de se vingar do gângster que
destruiu sua família. Afinal, um veneno de rato que está vencido é mais letal
ou menos? Dois homens se desentendem numa estrada e o arranhão no verniz que
nos separa da civilização para a barbárie logo mostra que o homem é mais do que
o lobo do homem e a gente não consegue deixar de lembrar a célebre frase de
Sartre: “O inferno são os outros”. Como um episódio tão simples pode ser tão
brilhante? E, afinal porque ninguém pensou em filmar uma cena dessas antes?
O
quarto episódio, no qual um pai rico tenta livrar o filho de ser preso pelo
atropelamento de uma mulher grávida é um verdadeiro tratado de sociologia, ou
melhor, de patologia social. A propósito desse episódio, Luiz Felipe Pondé
aponta sabiamente: “as classes menos favorecidas sabem muito bem como manipular
seus ‘ganhos’ no esquema de corrupção. Um cínico diria que a corrupção também
pode ser inclusiva”.
O
maior astro do cinema argentino, Ricardo Darin, não poderia estar de fora desse
filme. No penúltimo episódio ele interpreta um homem em uma luta desigual contra
um estado burocrático que ameaça fazer da sua vida uma tragédia kafkiana. A
violência explode e nos faz lembrar Michael Douglas em Um Dia de Fúria.
Palmas
redobradas, vivas e hurras para o último e unanimemente considerado melhor
episódio dos seis, uma verdadeira torrente de emoções em torno de um casal no
dia do casamento. Esse episódio certamente deve ter sido o que levou o cineasta
Pedro Almodóvar a decidir produzir Relatos Selvagens já que todo o episódio do
casamento é puro cinema almodovariano, inclusive com a montagem frenética e a
excepcional trilha sonora a cargo do ótimo Gustavo Santaolalla, que já ganhou dois Oscars seguidos.
Anárquico,
histérico, brilhante, surpreendente, divertido...Não é preciso economizar nos
adjetivos. Relatos Selvagens merece todos.
2 comments:
Oi Luiz! Obrigado por indicar-me este incrível filme. Gostei muitíssimo. Num primeiro momento, lembrou-me os trabalhos dos irmãos Cohen, mas, agora, lendo o teu relato acho que ele tem uma transcendencia tanto dos Cohen como de Tarantino. Valei.
Simplesmente incrível! Final surpreendentemente maravilho!!
Post a Comment