8.4.14

QUE ÓDIO DOS PROFESSORES DE HISTÓRIA

Sempre que folheava o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil nas livrarias me batia uma raiva. Eu o achava deselegante por atacar algumas verdades consolidadas nas aulas de História aprendida nas escolas. Mas por que então, sempre estava lendo um capítulo ou outro? Para me martirizar? Masoquismo?


O próprio autor da obra, Leandro Narloch afirma: “Este livro é uma provocação. Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos”. 

O Guia ficou na lista do livros de não-ficção mais vendidos no Brasil por mais de três anos, mas já que eu tanto vacilava em comprar o meu, salvou-me da incerteza a colega Luzineide, que me emprestou gentilmente seu exemplar. Entre alguns inconvenientes fatos da nossa História, o Guia prova que a escravidão no Brasil teve traços bastante diferentes daqueles que aprendemos. Contextualizando a escravidão naquele período,  nota-se que ela não tinha o caráter que a ela hoje se atribui. Afinal, ao longo da História, a escravidão foi, por muito mais tempo, regra em vez de exceção e esteve muito mais disseminada do que imaginamos.

Tanto é que muitos escravos libertos ou alforriados tornavam-se, eles próprios, comerciantes de escravos. A escravidão era uma prática muito comum na África ao ponto de que os portugueses, quando lá chegaram, já encontraram prisioneiros escravizados por tribos inimigas. Nas guerras tribais, era corriqueiro os vencedores escravizarem e venderem os cativos das tribos vencidas. Vários reis africanos tinham escravos e na África havia quilombos antes mesmo de o Brasil ser descoberto.

Durante o Brasil Colônia e no período do Império, reis africanos mandavam seus filhos e embaixadores ao Brasil. Esses “nobres” africanos vinham para cá confortavelmente instalados nos camarotes dos mesmos navios negreiros que traziam os escravos, amontoados  nos porões. Muitas vezes, reis africanos se correspondiam com os reis de Portugal. O Guia traz cópias dessas cartas em que os reis se tratam com todo respeito.

O livro mostra que o herói na nossa Pátria, Zumbi dos Palmares, tinha, ele próprio, seus escravos e que, entre 1500 e 1800, reinos árabes africanos capturaram mais de 1 milhão de escravos brancos no litoral do Mediterrâneo. Ninguém se assustava com isso, afinal era uma prática banal. Caravanas de comércio de escravos na África profunda existiram por séculos antes de os portugueses aportarem no seu litoral.

Sobre os nossos índios, as coisas não caminharam diferente. Os índios brasileiros guerreavam frequentemente entre si ao ponto em que a guerra era um ritual, praticamente uma regra. Matavam-se, escravizavam-se e devoravam-se rotineiramente. Havia uma compreensão, entre eles, de que o paraíso era reservado para aqueles que matavam ou morriam em uma guerra.

Com a chegada dos europeus ao Brasil, os índios se aliaram a eles para capturarem outros índios para trocar por mercadorias.  Isto não exime os portugueses, mas quem desejava os índios como escravos usava a desculpa de que se não os aceitassem como mercadoria, eles seriam mortos ou comidos.  Índios tinham o hábito de vender não só outros índios capturados, mas seus próprios parentes como tios, sobrinhos e avós.

Muito se fala sobre os objetos trocados entre portugueses e índios: quinquilharias por riquezas, diz-se. Entretanto, o Guia mostra que, para quem estava na Idade da Pedra e não conhecia sequer a roda, os portugueses ofereciam, na verdade, riquezas e costumes selecionados por milênios que os isolados índios jamais conheceriam de outro modo. “Para eles era como trocar uma roupa velha por uma espada Jedi”, diz o inspirado autor.

O anzol, o machado e  a faca de aço deram aos índios um ganho de milênios. Até que eles dominassem a metalurgia, algo que só aconteceu muito tempo depois do primeiro contato com o branco, um anzol era um salto de séculos, pois eles dependiam apenas da pontaria para pescar seu alimento. O machado reduzia imensamente o trabalho que tinham para derrubar uma árvore e fazer lenha ou canoas. Uma faca de aço era uma riqueza incalculável para quem só dispunha de pedras afiadas. Os europeus jogaram em pouquíssimo tempo habitantes da Idade da Pedra em plena Idade do Ferro.
 
Sempre se lembra dos índios como bons selvagens, idealização clássica de Rousseau, e a letra do hit Todo Dia era Dia de Índio: “Amantes da natureza / Eles são incapazes/ Com certeza/De maltratar uma fêmea/Ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio ecológico/Da terra, fauna e flora”. Sinto desapontar, mas não era bem assim. Os índios matavam mulheres e crianças e frequentemente botavam fogo na floresta para facilitar a caçada dos animais. Eles viviam em aldeias instaladas em campos desmatados. Era difícil viver na mata, à mercê de animais perigosos como onças, cobras e mosquitos. Mesmo nos campos, eles mantinham fogueiras acessas para afugentar os bichos.

Então eles não preservavam a floresta e quase levaram à extinção algumas espécies. Estima-se que para alimentar cada índio era necessário devastar 2 mil m² por ano já que não conheciam a agricultura, exceto o plantio de mandioca e amendoim. Para caçar poucos animais eles destruíam uma enorme área de mata. Eles derrubavam, frequentemente, árvores frutíferas e foram os portugueses que proibiram esta prática. Também não domesticavam animais, o que só foi feito a partir do contato com o branco.

Continuando a ler o livro passamos por mais decepções e aborrecimentos. Nossos ídolos como Zumbi, Prestes, Aleijadinho, Santos Dumont, Euclides da Cunha, Gregório de Matos, Gilberto Freyre, Jorge Amado, José de Alencar e Graciliano Ramos e muitos outros não são bem aquilo que nos ensinaram. O livro é repleto de referências bibliográficas para ninguém pensar que é uma obra qualquer de algum aventureiro. Dá uma raiva danada, mas pelo menos ainda estamos em tempo de aprender algumas verdades inconvenientes.

Ainda estou, até agora, com raiva dos meus professores de História, do primário ao colegial, que me enganaram tanto tempo. Quem sabe, também eles foram enganados? Se bem que eis aí um privilégio que professores não deveriam ter.

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