6.3.14

ROBOCOP

Antes de qualquer coisa, confesso que estava com enorme preconceito contra este filme. Tinha prometido que não iria a ele assistir, mas, aos poucos, fui diminuindo a resistência que, afinal, caiu por terra ao ver uma entrevista do seu diretor, o brasileiro José Padilha.

Padilha, como é de conhecimento de todos, é o diretor dos dois excelentes Tropa de Elite e do excepcional Ônibus 174. Muito se pode falar e bastante já se falou das três películas, então, foco em Robocop.

Quem conhece o estilo do brasileiro vai reconhecê-lo de cara em Robocop. Uma obra praticamente autoral, o que é uma grande façanha, tratando-se do primeiro filme dirigido por Padilha em um grande estúdio americano (MGM) e com um orçamento de 130 milhões de dólares. Façanha dupla pelo fato de Padilha ter conseguido impor um trio respeitável de brasileiros para dividir o trabalho com ele: o diretor de fotografia Lula Carvalho (Budapeste e Tropa de Elite), o montador Daniel Resende (Cidade de Deus e A Árvore da Vida) e o compositor dos dois Tropa de Elite, Pedro Bromfman. Enfim, como disse o próprio diretor, um blockbuster com alma brasileira.

Em uma das suas muitas entrevistas, Padilha teoriza, com muita razão, que o Brasil possui excelente equipe técnica em parte devido à limitação de recursos para fazer um filme no Brasil, o que estimula a criatividade dos brasileiros, rendendo boas histórias que chamam atenção pelo mundo. E o povo que tem dinheiro sabe reconhecer esses méritos chamando os técnicos para trabalhar na Meca do cinema mundial.

Não me recordo bem da primeira versão de Robocop, ainda nos idos de 1987 com direção do holandês Paul Verhoeven (O Vingador do Futuro e Instinto Selvagem), mas, apesar de ter se tornado um filme cult, sempre me pareceu uma produção extremamente datada. Não imaginava que algo a mais pudesse ser dito a respeito.

Mas a ideia do remake foi bastante acertada, pois o filme, apesar de passados tanto tempo, trata de um tema extremamente atual diante de toda a violência no mundo e as guerras contemporâneas que têm um componente a mais a diferi-las de todas as anteriores: o fenômeno dos temíveis drones, armamentos mortíferos tripulados à distância, a automatização das armas.

Chamou-me muito a atenção o tom geral do filme que é bastante crítico ao militarismo americano, à paranoia daquele país e do seu povo com relação à segurança pública. Lembramos que os Estados Unidos têm uma emenda sagrada na sua constituição que permite a todos os cidadãos a posse de uma arma. O lobby das armas é um dos mais poderosos do país e a indústria bélica é a mais poderosa. Dificilmente um filme com esse tom seria feito por um diretor norte americano. Palmas merecidíssimas para Padilha.

Nos três primeiros dias no Brasil a bilheteria de Robocop foi a segunda maior do ano, atingiu o formidável número de 600 mil espectadores e mais de R$ 8 milhões arrecadados. Ficou em primeiro lugar em dez países, incluindo os da Ásia e Europa. Talvez não tenha empolgado tanto nos EUA exatamente pelo seu tom político e até mesmo por não subestimar a inteligência das plateias, afinal há uma máxima no cinema americano: “nunca se perde dinheiro por subestimar a inteligência da audiência”. Soou-me bastante instigante um comentário do diretor: "Todo adolescente quer ser o Homem de Ferro, ninguém quer ser o Robocop. Ele é muito mais próximo do Frankenstein do que do homem". Descontando o fato de que Frankenstein é o nome do médico e não da sua criatura, Padilha deu corretamente o seu recado.

O filme tem apenas uma única falha e é no roteiro. Há uma contradição na premissa de que a automatização da polícia levaria ao fim da violência e isso mobiliza a bilionária indústria que cria e comercializa as máquinas que acabarão com os crimes. Ora, se o crime acabar não haverá necessidade de mais máquinas, mas são as máquinas que acabarão com o crime. Paradoxal, como é o paradoxo do queijo suíço (*). Uma falha interna que o filme não resolve.

Mas o filme me conquistou de cara, nos primeiros minutos. Em uma espécie de prólogo do que se assistirá, vemos um homem que teve o braço amputado e recebeu uma prótese de última geração. Preocupado se voltará a tocar, o vemos pegar um violão. Aos primeiros acordes, ouve-se não qualquer música, mas “A música”. Peço que desculpem por não disfarçar meu deslumbramento, mas o homem toca simplesmente a minha canção favorita de todos os tempos. Nenhuma música supera a beleza do Concierto de Aranjuez, obra prima do espanhol Joaquim Rodrigo, considerada como a melodia espanhola mais interpretada em todo o mundo, com especial destaque para o seu sublime adagio.

Intimamente, eu ouvia os primeiros e belíssimos acordes da canção de Joaquim Rodrigo e entregava todas as minhas bestas resistências, quase agradecendo a Padilha por aquele momento. Mas eis que o violonista amputado se emociona e erra os acordes seguintes da canção. O médico lhe diz que ele errou por se emocionar, que deveria deixar que a mente comandasse o braço cibernético. Então o homem diz a frase que, certamente, resume a ideia do filme: “Sem emoção eu não posso tocar”. Paradoxal: sem a razão ele não comandaria o braço para trocar corretamente e para tocar corretamente não poderia sentir a música. Resultado: a emoção, o que o tornava humano, era um empecilho. Mas como apreciar uma canção sem senti-la?

É isso que o filme tenta responder: o que nos torna humanos? Até que ponto a razão fria é um substituto para a vida? Afinal, o que é mesmo a vida? Convenhamos, para tentar responder a essas questões intrigantes a gente bem aguenta um bocado de tiroteio,  perseguição de moto e explosões. Uma troca justa.

*Paradoxo do queijo suíço (O queijo suíço tem buracos. Quanto mais queijo, mais buracos. Mas se os buracos ocupam o lugar do queijo, quanto mais buracos menos queijo. Então, quanto mais queijo, menos queijo).

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