2.10.13

Para que serve mesmo um smartphone? – 2ª parte



Há algumas semanas, escrevi um artigo intitulado: “Para que serve mesmo um smartphone?”. Desde que o publiquei, pretendia continuar em uma segunda parte abordando dois aspectos do vício nos smartphones: a falsa noção de urgência e a auto-indulgência em relação à própria importância. Antes disso, algumas considerações.

Um edição recentíssima da revista Istoé, 27/9/2013, publicou uma grande reportagem de capa com o título: “Vítimas da dependência digital”. Com um conteúdo similar ao meu texto, a Istoé  afirma: “Com a explosão dos smartphones, cerca de 10% dos brasileiros já são viciados digitais. A medicina aprofunda o estudo do transtorno e anuncia o surgimento de novas opções de tratamento, como a primeira clínica de reabilitação especializada.”


A revista divulga pesquisa da Universidade de Maryland que investigou o que sentiam jovens de dez países em cinco continentes após 24 horas longe dos smartphones e tablets. As descrições dos sentimentos foram idênticos aos de viciados em álcool e outras drogas em crise de abstinência. Esse fenômeno já tem nome: nomofobia, que é a ansiedade de indivíduos longe dos celulares.

O Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas de São Paulo descreve as consequências dessa dependência: os usuários se distraem com facilidade e têm dificuldade de controlar o tempo gasto com o aparelho. Em breve, com a disseminação dos óculos inteligentes como o Google Glass, o número de dependentes irá aumentar ainda mais.

A dependência já é tratada como questão de saúde pública no Japão, China e Coreia do Sul que investem na psicoterapia de mais de 500 mil adolescentes incentivando-os a frequentar espaços abertos, aumentar o convívio social e praticar esportes. Na Coreia do Sul, 30% dos adolescentes são viciados e o tratamento leva os os jovens a ficarem 12 dias internados longe dos telefones viciantes.

Pesquisas mostram que o vício digital aciona o sistema cerebral de recompensa, o mesmo estimulado pelas drogas. Quanto mais se cede à compulsão, mais sensação de prazer o cérebro produz. E isso vai até um ponto no qual a pessoa não consegue mais ficar sem essa sensação, tornando-se dependente de seu foco de compulsão.

 A falsa noção de urgência e a auto-indulgência em relação à própria importância -  Já contei o episódio em que um colega ligou para o meu celular enquanto eu conversava com amigos em um café pedindo-me que entrasse imediatamente no Facebook para ler um texto que ele postara. Expliquei-lhe que não tinha acesso à internet via celular, ao que o amigo replicou, incrédulo, que achava inadmissível, usou mesmo esta palavra, que eu não usasse um smartphone.

Fatos assim vivem acontecendo à minha volta e quanto mais acontecem mais eu insisto em me manter à margem dessa onda. Resistirei ao falso imediatismo que as pessoas se auto impuseram. Nada pode ser tão urgente assim que precise de um smartphone. Minha colega de sala vive me exibindo o seu ultra-mega-super-ultra-plus moderno como se fosse o último negresco do pacote. Há poucos meses a mesma colega me exibia a ex-versão mais recente, hoje já ultrapassada e daqui a alguns meses me exibirá a nova versão turbinada, que deixará para trás a atual.

 Outro dia, essa colega me mostrava as mil e uma vantagens do seu smartphone e a cada “vantagem” eu demonstrava que nada daquilo me serviria para coisa alguma. Ela retrucou que o aparelho era importante para mandar mensagens e pareceu surpresa quando eu disse que meu velho Nokia também mandava mensagens. Disse-me que podia conversar online com amigos e pareceu desapontada quando eu disse que não havia nenhuma urgência nessas conversas e que, se realmente fosse algo importante, eu poderia ser contactado com um telefonema, algo que esses aparelhinhos ainda fazem. Ao argumento último que usou para me convencer dos prodígios do bicho, o acesso ao Facebook (cada vez mais Face e cada vez menos Book), realmente surpreendeu-lhe meu contraargumentento de que já tinha acesso no meu computador de casa.

Se um dia eu viesse a possuir um smartphone seria para usar os recursos que ele oferece, mas exatamente porque não quero ser mais uma vítima dessa falsa noção de urgência auto imposta é que não me rendo a esses argumentos. Estou muito bem no meu próprio ritmo.

Outra coisa que me incomoda nos viciados em smartphones é a necessidade constante de auto-exposição e sua auto-indulgência em relação à sua própria importância. Cada prato de comida consumido em restaurante é postado nas redes sociais com a “relevância” de um passo do homem na lua; cada por-do-sol, “dividido” com os amigos com a urgência de um momento a ser eternizado; cada foto na praia, revestindo-se de uma aura antológica.

Veja só se vou querer um aparelho que me escravize, me deixe mais pilhado, ainda mais egocêntrico e autocentrado do que naturalmente eu já sou? Recomendo a todos os meus amigos que torçam para que eu continue afastado desses “aparelhos inteligentes”. Se longe deles já sou insuportável...


5 comments:

Unknown said...

Luiz, grande texto. Graças a Deus, minha filha não é escrava do smartphone, nem eu. Ambos possuímos o aparelhinho, mas nada top. Não acesso o facebook pelo celular. Já esqueci o aparelho em casa e não morri. Contudo, possui uma estagiária que leva o dela até ao banheiro para assistir vídeos. Além da auto-indulgência, existem aqueles que se acham imprescindíveis. Já vi muitos em filas de supermercado "dando ordens", fechando "negócios", dando conselhos. Agora, eu confesso, uso muito para ouvir rádio, música e jogar Angry Birds. Abraços. Álvaro.

Danielle Giron Valim said...

Usei o meu "ultramega" para ler o seu artigo. Confesso-me rendida aos encantos do meu "phablet". Sempre tive uma queda pelas novas tecnologias... mas eu realmente ando pensando na quantidade de tempo - e vida - que estes aparelhinhos nos absorvem. Será que vale a pena tanto assim? Tenho achado que não. Um convite à reflexão é sempre um bom convite. Beijos, amigo. Parabéns por mais um excelente texto.

Ivani Morais said...

Mais um texto muito legal! Gostei demais dessa segunda parte! E que foto chocante, amigo, mas muito pertinente! Vc me faz lembrar de como eu era feliz com meu Nokia N96 e de como eu interagia mais com a familia e amigos. Sempre achei essa coisa de ficar trocando de aparelho como se troca de roupa uma grande bobagem, mas confesso que fui me deixando levar pelos amigos viciados e seduzir pelos encantos prometidos pelos smartphones. Agora estou aqui, lendo seu texto e pensando. Estou num tablet e meu iPhone está bem aqui do lado. Vc tem toda razão... vou começar a desintoxicação... vou ali dar atenção aos meus filhos. Parabéns pelo texto! Vc é 10!

Manoel Paim said...

Adoro tecnologias mas, como em tudo, não me faço comum nem prisioneiro. Ao revés, chacoalho a mim e àquilo para ver o que sobra no final. Essa resilência e decantação essencial é o que vale à pena. Tenho celular 3D com internet 4G conectado em tudo. Mas já abandonei ele em casa por tres dias, conectado nas redes por wifi, 4G e bluetooth. Todos me viam on line enquanto eu estava ocupado com a vida banal e real. Perdi até clientes que achavam que eu não os queria responder, ou evitava-os! ``Amigos`` deixaram de falar comigo no face perplexos com minha insensibilidade. Pra mim é assim: do ascetismo à farra num gole só!!!

Raissa Biriba said...

Mais uma vez, fiquei horrorizada com essas pesquisas e fatos!! amedrontada de como serão os próximos (a cada dia mais próximos) anos. E até onde essa continua escravização digital pode chegar... Tanto esse, quanto o outro post me fizeram lembrar de um filme muito singelo, e com uma mensagem eficaz chamado Wall-e.
Parabéns pelo texto !! Sempre buscando uma abordagem importante e reacionária!!

beijos, Raissa