29.10.13

11 ANOS NA MOSTRA DE CINEMA DE SÃO PAULO (II)

Cheguei ao décimo dia da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com 37 filmes assistidos, mas ainda faltam alguns dias e filmes para o final da maratona. Este ano me hospedei num hotel da Rua Frei Caneca, pertinho da Avenida Paulista e da Rua Augusta, o que é bem conveniente, pois me deixa nas proximidades de 5 salas do Shopping Frei Caneca, de 4 salas da Augusta e de 3 salas da Paulista. Numa rápida caminhada, chego a 12 dos 30 locais em que os filmes da Mostra são exibidos.

Este ano reencontrei uma velhinha muito simpática que, todos os anos, vem para a Mostra. Ela é carioca e vê os filmes do festival do Rio em setembro e em outubro se manda para São Paulo para ver os daqui. O gosto dela não bate muito com o meu e ela sempre que me vê se empolga para me recomendar os filmes que adorou e me mandar fugir dos que detestou. Parece coincidência, mas todos os que ela detesta eu adoro, mas não tenho coragem de contrariá-la. Finjo concordar, mas não sei se essa é uma boa política, pois ela fica encorajada para me falar por mais tempo. Felizmente, nem ela nem eu temos tanto tempo assim, pois estamos sempre correndo de uma sala para outra. Mas não é que a danada está hospedada no mesmo hotel que eu? Pelo jeito ela não faz mais nada aqui, pois já a vi duas vezes por volta das 3 da manhã no lobby do hotel, às voltas com seu caderninho de anotações, seu guia e seu catálogo da Mostra. Daria até para sentir pena dela ali sozinha, mas ela mesma me disse que está incógnita, pois não quer que ninguém saiba onde está para não distraí-la da maratona de filmes. Então, quando chego, de madrugada, passo por ela sorrateiramente para que ela não me veja e resolva recomendar, com sua grande veemência, os filmes imperdíveis e me salvar de “arapucas”.

Hoje foi o único dia em que consegui fazer o que queria desde o primeiro dia: ver 5 filmes seguidos. Nos dias anteriores sempre dava algum problema por atraso meu ou dos filmes, me deixando sem planos ou opções. Hoje, felizmente, tinha planos B para 3 filmes e foram exatamente os 3 que atrasaram meia hora cada um. Como havia menos de 20 minutos entre os filmes para os quais me programei, meia hora era fatal para que eu perdesse os filmes seguintes. Os dois filmes que não atrasaram foram exatamente o primeiro, das 13h e o último, das 22h. E eram os únicos que eu não tinha opção. Saí exausto depois de 5 filmes mas saí feliz.

Rango do dia: 1 café, 2 pães de queijo, 1 fatia de pudim, 1 saco de pipocas, 1 Big Mac e 1 copo de suco de uvas. No hotel matei um croissant 1 da manhã. Estou com menos de 76 quilos...essa maratona é um regime forçado. No post anterior falei de 14 filmes. Hoje falo de outros 12.

LA JAULA DE ORO -  Um filme como muitos da Mostra que falam sobre temas ligados à infância e juventude. Aqui, uma produção mexicana conta uma história muito crua e dura sobre três adolescentes, dois garotos e uma garota da Guatemala que vivem em favelas em circunstância de extrema miséria e falta de esperança ou qualquer expectativa de melhoria de vida, decidem por conta própria e sem experiência alguma emigrar para os Estados Unidos e o sonho de uma vida melhor. No caminho, eles encontram outro menino, um índio de Chiapas que não fala espanhol. Juntos eles viajam em trens de carga e caminhando sobre os trilhos. No caminho eles vão se defrontando com uma realidade muito mais dura e cruel do que eles sequer imaginavam e talvez piores do que as que viviam. Mas para chegar ao sonho eles têm que passar pelo pesadelo. Eles sofrem muito, como todos os demais pobres imigrantes, nas mãos de polícia, de bandidos e de "coiotes". São agredidos, roubados e saqueados por assaltantes também pobres. Lembrei-me de um bando de zebras cruzando um território pululante de leões. Só que tanto as zebras quanto os leões são seres humanos. Um final doloroso, realista e cruel e o filme foi bastante aplaudido no final. A Folha de São Paulo diz: " Ao final podemos observar o rosto dos imigrantes ilegais que chegam aos EUA e entender melhor o sentido de sua odisseia, as dores que carregam, os pedaços de alma que deixaram pelo caminho."

PELO MALO – Esse é um filme venezuelano e dei o azar de assistir a ele na sessão da juventude que é uma sessão gratuita que tem todo dia no cinema da Livraria Cultura e também em outras três salas. Muitos adolescentes perturbaram a concentração da plateia de verdadeiros cinéfilos. Uma outra história sobre jovem. Aqui ele tem nove anos e é filho de uma mulher desempregada e mãe solteira. O drama de Junior é exatamente o título do filme: Pelo Malo ou Cabelo Ruim. Junior está de férias e sua mãe tem um preconceito que não esconde pelo filho ter o cabelo pixaim. Ele também odeia ter esse tipo de cabelo e faz de tudo para alisá-los. Sua mãe suspeita também que ele seja afeminado e nesse meio tempo desconta no menino suas frustrações, pois não consegue recuperar o emprego de segurança. A avó da criança entra no conflito com a mãe, pois ela prefere o neto como é em vez de ser como o pai dele, machão e que morreu a bala. O filme mostra a Venezuela machista e militarista nos estertores do governo de Hugo Chavez. Um belo e duro filme que ganhou a Concha de Ouro de melhor filme no Festival de San Sebastian da Espanha.

A RECEITA FINAL – Uma coprodução excelente da Coréia do Sul e China provando que o cinema asiático é, hoje em dia, uma ótima fonte de produções inovadoras e caprichadas. Aqui, uma história sobre uma família separada. Um neto criado pelo avô que é um dos melhores cozinheiros do país. O pai do menino, durante o filme, com 19 anos, deixou seu pai e seu filho por alguma razão que ficamos sabendo no decorrer da película. Um daqueles filmes com final feliz e também aplaudido no final. Deu um grande prazer assistir depois de tantos filmes com finais trágicos e dramáticos. Daqueles filmes sobre culinária como vários outros que abrem o nosso apetite como o grego O Tempero da Vida, o dinamarquês A Festa  de Babete, o brasileiro Estômago e o mexicano Como Água Para Chocolate. O filme se desenvolve num reality show no estilo Top Chef sobre a descoberta de um novo chef de cozinha. Filmes sobre culinária sempre promete muitas boas cenas. E aqui ele cumpre com louvor todas essas promessas.

OS CARAS DO PORTO – Mais um filme sobre jovens. Uma produção espanhola que me entediou bastante, pois mostra durante todo o filme uma chatice só. Um adolescente promete ao seu avô, que vive trancado em casa pela família, ir a um velório e deixar uma jaqueta do exército no túmulo de um velho amigo do avô. O filme inteiro praticamente é a câmera acompanhado o adolescente e um casal de irmãos, seus amigos andando para o cemitério na periferia de Valência. Depois é a volta para casa e nada mais. Será que o diretor queria mostrar um rito de passagem ou algo assim? A selva das cidades? As incertezas que as mentes infantis não podem prever? Pretensioso ou falta de um bom roteiro? Ou as duas coisas?

EL GRAN CIRCO POBRE DE TIMÓTEO – Um documentário chileno que não me agradou muito. Fui com um amigo a quem recomendei e como me senti culpado por não ser o filme que eu esperava, saímos depois para jantar em um restaurante chileno e para compensar, apresentei a ele uma bebida e uma comida daquele país, que conheci quando estive lá, e que ele não conhecia: pisco e ceviche. A ideia era: já que o filme do Chile não valeu, pelo menos a culinária de lá compensaria. Ah o filme é sobre um circo decadente comandado por um gay, o tal Timóteo. Nele só trabalham velhos gays que viajam com esse circo pelo Chile há 40 anos, instalando-se em grandes e pequenas cidades com um show paupérrimo de drag queens. O documentário claramente foi feito por uma pessoa que não soube ser objetiva na edição, pois é uma tal de repetição sem fim de imagens paradas do tal circo, da lona do circo, do logotipo do circo, das bandeirolas do circo...afff que chatice. Depois vemos uns ensaios muito vagabundinhos e uns shows bizarros. Acho que tem gente que deve ter gostado...deve ter achado muito  autêntico, artístico, autoral...sei lá...eu gostei até a página 2. Ah Timóteo está fechando o circo porque adoeceu sério. Ahã...coitados dos artistas.... E o pisco do tal restaurante chileno ainda me deixou com ressaca no dia seguinte. O ceviche também não desceu muito bem.

O FOGUETE - Um filme muito bonito do Laos. Acho que não vi nenhum filme até hoje do Laos e este é muito bom. Conta a história de um menino que nasceu gêmeo numa comunidade em que acreditam que gêmeos são amaldiçoados e como o irmão nasceu morto, a mãe barganha com a sogra para não contar ao marido o caso e enterrar escondido o bebê que morreu (eles acham que não dá pra saber se o gêmeo amaldiçoado era o vivo ou o morto e por isso deviam matar ambos). Então uma série de acontecimentos desastrosos levam o menino e sua família, juntamente com uma garotinha e seu tio alcoólatra pelo Laos para encontrar um lar. O garotinho é muito bom ator e extremamente carismático. Dono de uma mente muito engenhosa, ele quer provar a todos que não é amaldiçoado e tenta construir um foguete gigante e participar da competição mais lucrativa e perigosa do ano: o Festival de Foguetes que dará à família a última oportunidade da vida. O filme foi o vencedor de prêmio de melhor longa estreante e do Urso de Cristal no Festival de Berlim.

WAJMA – Filme afegão muito triste sobre uma jovem que engravida de um namorado sacana numa sociedade em que isso pode significar a morte para ambos. O pai violento espanca a moça e tenta a todo custo salvar a honra da família enquanto a mãe tenta levar a filha para a Índia, onde ela pode fazer um aborto que no Afeganistão é crime. A dificuldade de obter um passaporte e a escolha difícil entre a honra da família e o amor pela filha. Tristíssimo, mas real.

SAUDADE - Um filme do Equador que mostra o dia a dia pacífico de um grupo de jovens estudantes que vive numa espécie de mundo à parte enquanto o país vive uma grande crise financeira. O personagem central é um rapaz de 17 anos que mora com o pai e a madrasta. Ele não cresceu junto com a mãe até que ela escreve e diz estar gravemente doente e pede para seu pai ir visitá-la nos Estados Unidos. O rapaz rejeita esse contato da mãe que julga tê-lo abandonado. O pai viaja, os amigos perdem as casas devido à crise e o jovem vê seu mundo-bolha desmoronar. Uma bela cena é a em que ele chora muito quando escuta, pela primeira vez, a voz da mãe cantar numa fita cassete gravada quando ele era um bebê a linda canção “Duerme Negrito”, de Mercedes Sosa. E a cena final é emblemática de um jovem renascido e reinventado a quem as angústias da juventude fizeram criar um homem, doído, mas um homem.

PARA AQUELES EM PERIGO – Um filme do Reino Unido que se passa na Escócia em uma comunidade pesqueira em que um jovem desajustado é o único sobrevivente de um estranho acidente de pesca que custou a vida de cinco homens, incluindo seu irmão mais velho. Pelas superstições locais todos culpam o rapaz pela tragédia, fazendo dele um pária. O jovem é consumido pela dor e pela culpa e meio em delírio decide sair em busca desesperada pelo irmão. Ele crê numa lenda que lhe contaram na infância sobre um monstro marinho que devora os pescadores. Uma cena final simbólica e forte, cheia de significados e que dá um arremate belíssimo a um filme que não prometia muito. Vale por essa imagem impactante. Mas reconheço que ela não teria esse impacto se não tivéssemos atravessado toda a angústia do filme.

LAS HORAS MUERTAS - Mais um filme sobre jovens. Aqui é um rapaz de 17 anos que vai trabalhar temporariamente no motel simples do tio enquanto este se interna para um tratamento. A história se passa no desolado litoral mexicano de Veracruz. No trabalho ele conhece uma mulher jovem, cliente habitual que vai ao motel com um amante casado que sempre a deixa esperando. Durante essas “horas mortas”, eles dois se conhecem melhor e vemos um suave jogo de sedução começar entre eles. Um filme suave, bonito e lírico. Boas atuações e boa direção.

TATUAGEM - Um filme brasileiro que confesso que me decepcionou apesar de ter ganho o último kikito do Festival de Gramado. A sessão estava superlotada, pois o diretor Hilton Lacerda é de Pernambuco, mas mora há anos em São Paulo, onde tem muitos amigos e, pelo jeito, muitos deles estavam no cinema para prestigiá-lo. Eu tinha grande expectativa porque apesar de ser o primeiro filme dirigido por Hilton, ele é roteirista de filmes que adoro como Baile Perfumado, Baixio das Bestas, Amarelo Manga, A Febre do Rato e A Festa da Menina Morta. E, além disso, o filme é com um dos meus atores brasileiros favoritos, Irandhir Santos.  Não sei como um cara que roteiriza filmes tão fortes e viscerais como os que citei acima, dirige uma bobagem dessas. A história se passa em Recife em 1978 durante a ditadura. Mostra um grupo de artistas gays, lésbicas ou pansexuais que se apresenta em cabarés com shows debochados de conteúdo político e amoral. Há muitas cenas de nudez e sexo entre dois homens, mas um filme excessivamente verborrágico com muitas coreografias, muitas mãos e muitos braços e discursos “poéticos”. Gostaria de dizer  que o filme me agradou no cérebro e não no coração mas de fato nem isso. Não me gerou nenhuma emoção especial. Uma chatice apesar de que as cenas de sexo são bem boas e ousadas, mas me incomodou certo tom datado e engajado. A plateia, pelo jeito adorou, pois aplaudiu entusiasmada no final e ninguém se levantou para sair. Fui o único a deixar a sala no final. Parece que só eu não gostei. O povo ficou pra babar o ovo do diretor. Eu, hein Rosa!


A PRIMEIRA VEZ DE EVA VAN END - Um filme do qual eu esperava mais, pois o diretor holandês é comparado, por alguns, ao diretor americano Todd Solondz, de cujos filmes eu sou fã como Bem-vindo à Casa de Bonecas, Felicidade, Histórias Proibidas e A Vida Durante a Guerra. De fato, o filme até tem a pegada de Solondz, mas se perde do meio para o fim e não mantém a força, com uma conclusão bem chocha e covarde. É a história de uma família disfuncional onde nem a mãe, nem o pai, nem os dois filhos e muito menos a filha, a tal Eva, têm qualquer empatia entre si. A chegada de um belíssimo jovem alemão, para um programa de intercâmbio, mexe com todas as estruturas desta família envolvendo medo, desejo e sentimentos que a família nem imaginava ter. Lembra até o argumento do filme Teorema, de Pasolini, mas fica distante anos luz da força do clássico italiano.

1 comment:

Alberto Milani said...

Lendo os teus comentários fiquei com vontade de assistir o filme venezuelano; pareceu-m bem interessante.É isso mesmo?