Este ano reencontrei uma velhinha muito simpática
que, todos os anos, vem para a Mostra. Ela é carioca e vê os filmes do festival
do Rio em setembro e em outubro se manda para São Paulo para ver os daqui. O
gosto dela não bate muito com o meu e ela sempre que me vê se empolga para me
recomendar os filmes que adorou e me mandar fugir dos que detestou. Parece
coincidência, mas todos os que ela detesta eu adoro, mas não tenho coragem de
contrariá-la. Finjo concordar, mas não sei se essa é uma boa política, pois ela
fica encorajada para me falar por mais tempo. Felizmente, nem ela nem eu temos
tanto tempo assim, pois estamos sempre correndo de uma sala para outra. Mas não
é que a danada está hospedada no mesmo hotel que eu? Pelo jeito ela não
faz mais nada aqui, pois já a vi duas vezes por volta das 3 da manhã no lobby
do hotel, às voltas com seu caderninho de anotações, seu guia e seu catálogo da
Mostra. Daria até para sentir pena dela ali sozinha, mas ela mesma me disse que
está incógnita, pois não quer que ninguém saiba onde está para não distraí-la
da maratona de filmes. Então, quando chego, de madrugada, passo por ela sorrateiramente
para que ela não me veja e resolva recomendar, com sua grande veemência, os filmes
imperdíveis e me salvar de “arapucas”.
Hoje foi o único dia em que consegui fazer o que
queria desde o primeiro dia: ver 5 filmes seguidos. Nos dias anteriores sempre
dava algum problema por atraso meu ou dos filmes, me deixando sem planos ou
opções. Hoje, felizmente, tinha planos B para 3 filmes e foram exatamente os 3 que
atrasaram meia hora cada um. Como havia menos de 20 minutos entre os filmes para
os quais me programei, meia hora era fatal para que eu perdesse os filmes
seguintes. Os dois filmes que não atrasaram foram exatamente o primeiro, das
13h e o último, das 22h. E eram os únicos que eu não tinha opção. Saí exausto
depois de 5 filmes mas saí feliz.
Rango do dia: 1 café, 2 pães de queijo, 1 fatia
de pudim, 1 saco de pipocas, 1 Big Mac e 1 copo de suco de uvas. No hotel matei
um croissant 1 da manhã. Estou com menos de 76 quilos...essa maratona é um
regime forçado. No post anterior falei de 14 filmes. Hoje falo de
outros 12.
LA JAULA DE ORO -
Um filme como muitos da Mostra que falam sobre temas ligados à infância
e juventude. Aqui, uma produção mexicana conta uma história muito crua e dura
sobre três adolescentes, dois garotos e uma garota da Guatemala que vivem em favelas
em circunstância de extrema miséria e falta de esperança ou qualquer expectativa
de melhoria de vida, decidem por conta própria e sem experiência alguma emigrar
para os Estados Unidos e o sonho de uma vida melhor. No caminho, eles encontram
outro menino, um índio de Chiapas que não fala espanhol. Juntos eles viajam em
trens de carga e caminhando sobre os trilhos. No caminho eles vão se
defrontando com uma realidade muito mais dura e cruel do que eles sequer
imaginavam e talvez piores do que as que viviam. Mas para chegar ao sonho eles
têm que passar pelo pesadelo. Eles sofrem muito, como todos os demais pobres
imigrantes, nas mãos de polícia, de bandidos e de "coiotes". São agredidos, roubados e
saqueados por assaltantes também pobres. Lembrei-me de um bando de zebras
cruzando um território pululante de leões. Só que tanto as zebras quanto os
leões são seres humanos. Um final doloroso, realista e cruel e o filme foi
bastante aplaudido no final. A Folha de São Paulo diz: " Ao final podemos observar o rosto dos imigrantes ilegais que chegam aos EUA e entender melhor o sentido de sua odisseia, as dores que carregam, os pedaços de alma que deixaram pelo caminho."
PELO MALO – Esse é um filme venezuelano e dei o
azar de assistir a ele na sessão da juventude que é uma sessão gratuita que tem
todo dia no cinema da Livraria Cultura e também em outras três salas. Muitos
adolescentes perturbaram a concentração da plateia de verdadeiros cinéfilos.
Uma outra história sobre jovem. Aqui ele tem nove anos e é filho de uma mulher
desempregada e mãe solteira. O drama de Junior é exatamente o título do filme:
Pelo Malo ou Cabelo Ruim. Junior está de férias e sua mãe tem um preconceito
que não esconde pelo filho ter o cabelo pixaim. Ele também odeia ter esse tipo
de cabelo e faz de tudo para alisá-los. Sua mãe suspeita também que ele seja
afeminado e nesse meio tempo desconta no menino suas frustrações, pois não
consegue recuperar o emprego de segurança. A avó da criança entra no conflito
com a mãe, pois ela prefere o neto como é em vez de ser como o pai dele, machão
e que morreu a bala. O filme mostra a Venezuela machista e militarista nos
estertores do governo de Hugo Chavez. Um belo e duro filme que ganhou a Concha
de Ouro de melhor filme no Festival de San Sebastian da Espanha.
A RECEITA FINAL – Uma coprodução excelente da
Coréia do Sul e China provando que o cinema asiático é, hoje em dia, uma ótima
fonte de produções inovadoras e caprichadas. Aqui, uma história sobre uma
família separada. Um neto criado pelo avô que é um dos melhores cozinheiros do
país. O pai do menino, durante o filme, com 19 anos, deixou seu pai e seu filho
por alguma razão que ficamos sabendo no decorrer da película. Um daqueles
filmes com final feliz e também aplaudido no final. Deu um grande prazer
assistir depois de tantos filmes com finais trágicos e dramáticos. Daqueles
filmes sobre culinária como vários outros que abrem o nosso apetite como o grego O Tempero da Vida, o dinamarquês A Festa de Babete, o brasileiro Estômago e o mexicano Como Água Para Chocolate. O filme se desenvolve num reality show no estilo Top Chef sobre a descoberta de um novo
chef de cozinha. Filmes sobre culinária sempre promete muitas boas cenas. E aqui ele cumpre com louvor todas essas promessas.
OS CARAS DO PORTO – Mais um filme sobre jovens.
Uma produção espanhola que me entediou bastante, pois mostra durante todo o
filme uma chatice só. Um adolescente promete ao seu avô, que vive trancado em
casa pela família, ir a um velório e deixar uma jaqueta do exército no túmulo
de um velho amigo do avô. O filme inteiro praticamente é a câmera acompanhado o
adolescente e um casal de irmãos, seus amigos andando para o cemitério na periferia
de Valência. Depois é a volta para casa e nada mais. Será que o diretor queria
mostrar um rito de passagem ou algo assim?
A selva das cidades? As incertezas
que as mentes infantis não podem prever? Pretensioso ou falta de um bom
roteiro? Ou as duas coisas?
EL GRAN CIRCO POBRE DE TIMÓTEO – Um documentário
chileno que não me agradou muito. Fui com um amigo a quem recomendei e como me
senti culpado por não ser o filme que eu esperava, saímos depois para jantar em
um restaurante chileno e para compensar, apresentei a ele uma bebida e uma
comida daquele país, que conheci quando estive lá, e que ele não conhecia:
pisco e ceviche. A ideia era: já que o filme do Chile não valeu, pelo menos a culinária de
lá compensaria. Ah o filme é sobre um circo decadente comandado por um gay, o tal
Timóteo. Nele só trabalham velhos gays que viajam com esse circo pelo Chile
há 40 anos, instalando-se em grandes e pequenas cidades com um show paupérrimo de
drag queens. O documentário claramente foi feito por uma pessoa que não soube
ser objetiva na edição, pois é uma tal de repetição sem fim de imagens paradas
do tal circo, da lona do circo, do logotipo do circo, das bandeirolas do circo...afff que chatice. Depois vemos uns ensaios muito vagabundinhos e uns shows bizarros. Acho que tem gente
que deve ter gostado...deve ter achado muito
autêntico, artístico, autoral...sei lá...eu gostei até a página 2. Ah
Timóteo está fechando o circo porque adoeceu sério. Ahã...coitados dos
artistas.... E o pisco do tal restaurante chileno ainda me deixou com ressaca
no dia seguinte. O ceviche também não desceu muito bem.
O FOGUETE - Um filme muito bonito do Laos. Acho
que não vi nenhum filme até hoje do Laos e este é muito bom. Conta a história
de um menino que nasceu gêmeo numa comunidade em que acreditam que gêmeos são
amaldiçoados e como o irmão nasceu morto, a mãe barganha com a sogra para não
contar ao marido o caso e enterrar escondido o bebê que morreu (eles acham que
não dá pra saber se o gêmeo amaldiçoado era o vivo ou o morto e por isso deviam
matar ambos). Então uma série de acontecimentos desastrosos levam o menino e
sua família, juntamente com uma garotinha e seu tio alcoólatra pelo Laos para
encontrar um lar. O garotinho é muito bom ator e extremamente carismático. Dono
de uma mente muito engenhosa, ele quer provar a todos que não é amaldiçoado e
tenta construir um foguete gigante e participar da competição mais lucrativa e
perigosa do ano: o Festival de Foguetes que dará à família a última
oportunidade da vida. O filme foi o vencedor de prêmio de melhor longa
estreante e do Urso de Cristal no Festival de Berlim.
WAJMA – Filme afegão muito triste sobre uma jovem
que engravida de um namorado sacana numa sociedade em que isso pode significar
a morte para ambos. O pai violento espanca a moça e tenta a todo custo salvar a
honra da família enquanto a mãe tenta levar a filha para a Índia, onde ela pode
fazer um aborto que no Afeganistão é crime. A dificuldade de obter um
passaporte e a escolha difícil entre a honra da família e o amor pela filha. Tristíssimo,
mas real.
SAUDADE - Um filme do Equador que mostra o dia a
dia pacífico de um grupo de jovens estudantes que vive numa espécie de mundo à
parte enquanto o país vive uma grande crise financeira. O personagem central é
um rapaz de 17 anos que mora com o pai e a madrasta. Ele não cresceu junto com
a mãe até que ela escreve e diz estar gravemente doente e pede para seu pai ir
visitá-la nos Estados Unidos. O rapaz rejeita esse contato da mãe que julga
tê-lo abandonado. O pai viaja, os amigos perdem as casas devido à crise e o
jovem vê seu mundo-bolha desmoronar. Uma bela cena é a em que ele chora muito
quando escuta, pela primeira vez, a voz da mãe cantar numa fita cassete gravada
quando ele era um bebê a linda canção “Duerme Negrito”, de Mercedes Sosa. E a cena final é emblemática
de um jovem renascido e reinventado a quem as angústias da juventude fizeram
criar um homem, doído, mas um homem.
PARA AQUELES EM PERIGO – Um filme do Reino Unido
que se passa na Escócia em uma comunidade pesqueira em que um jovem desajustado
é o único sobrevivente de um estranho acidente de pesca que custou a vida de
cinco homens, incluindo seu irmão mais velho. Pelas superstições locais todos
culpam o rapaz pela tragédia, fazendo dele um pária. O jovem é consumido pela
dor e pela culpa e meio em delírio decide sair em busca desesperada pelo irmão.
Ele crê numa lenda que lhe contaram na infância sobre um monstro marinho que
devora os pescadores. Uma cena final simbólica e forte, cheia de significados e
que dá um arremate belíssimo a um filme que não prometia muito. Vale por essa
imagem impactante. Mas reconheço que ela não teria esse impacto se não
tivéssemos atravessado toda a angústia do filme.
LAS HORAS MUERTAS - Mais um filme sobre jovens.
Aqui é um rapaz de 17 anos que vai trabalhar temporariamente no motel simples
do tio enquanto este se interna para um tratamento. A história se passa no
desolado litoral mexicano de Veracruz. No trabalho ele conhece uma mulher
jovem, cliente habitual que vai ao motel com um amante casado que sempre a
deixa esperando. Durante essas “horas mortas”, eles dois se conhecem melhor e
vemos um suave jogo de sedução começar entre eles. Um filme suave, bonito e
lírico. Boas atuações e boa direção.
TATUAGEM - Um filme brasileiro que confesso que me
decepcionou apesar de ter ganho o último kikito do Festival de
Gramado. A sessão estava superlotada, pois o diretor Hilton Lacerda é de
Pernambuco, mas mora há anos em São Paulo, onde tem muitos amigos e, pelo
jeito, muitos deles estavam no cinema para prestigiá-lo. Eu tinha grande expectativa
porque apesar de ser o primeiro filme dirigido por Hilton, ele é roteirista de
filmes que adoro como Baile Perfumado, Baixio das Bestas, Amarelo Manga, A
Febre do Rato e A Festa da Menina Morta. E, além disso, o filme é com um dos
meus atores brasileiros favoritos, Irandhir Santos. Não sei como um cara que roteiriza filmes tão
fortes e viscerais como os que citei acima, dirige uma bobagem dessas. A história
se passa em Recife em 1978 durante a ditadura. Mostra um grupo de artistas
gays, lésbicas ou pansexuais que se apresenta em cabarés com shows
debochados de conteúdo político e amoral. Há muitas cenas de nudez e sexo entre
dois homens, mas um filme excessivamente verborrágico com muitas coreografias, muitas mãos e muitos braços e discursos “poéticos”. Gostaria de dizer que o filme me agradou no cérebro e não no coração mas de fato nem isso. Não me gerou nenhuma emoção especial. Uma chatice apesar de
que as cenas de sexo são bem boas e ousadas, mas me incomodou certo tom datado
e engajado. A plateia, pelo jeito adorou, pois aplaudiu entusiasmada no final e
ninguém se levantou para sair. Fui o único a deixar a sala no final. Parece que
só eu não gostei. O povo ficou pra babar o ovo do diretor. Eu, hein Rosa!
A PRIMEIRA VEZ DE EVA VAN END - Um filme do qual
eu esperava mais, pois o diretor holandês é comparado, por alguns, ao diretor americano
Todd Solondz, de cujos filmes eu sou fã como Bem-vindo à Casa de Bonecas, Felicidade, Histórias Proibidas e A Vida Durante a Guerra. De fato, o filme até tem a pegada de Solondz, mas se perde do meio para o fim e não mantém a força, com
uma conclusão bem chocha e covarde. É a história de uma família disfuncional
onde nem a mãe, nem o pai, nem os dois filhos e muito menos a filha, a tal Eva,
têm qualquer empatia entre si. A chegada de um belíssimo jovem alemão, para um
programa de intercâmbio, mexe com todas as estruturas desta família envolvendo
medo, desejo e sentimentos que a família nem imaginava ter. Lembra até o
argumento do filme Teorema, de Pasolini, mas fica distante anos luz da força do
clássico italiano.
1 comment:
Lendo os teus comentários fiquei com vontade de assistir o filme venezuelano; pareceu-m bem interessante.É isso mesmo?
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