9.12.06

Carta de Despedida em Tarde de Sol


Acabo de perceber a falta que você me faz. 

O momento exato em que esse vazio me assolou foi aquele no qual você cruzou o céu a bordo de um MD-11, deixando minha vida e minhas mãos pesando como chumbo. Tentei acenar um adeus, mas os ombros doíam por não conseguirem levantar as mãos para esse gesto inútil. Os pés pareciam não querer largar o chão do aeroporto como se estivessem certos da sua volta que quem sabe se haverá.

Volta! 

Se eu soubesse que você, no final, partiria, não teria aberto minhas comportas, não serviria para seu regalo as minhas carnes assim em postas, não teria exposto o meu coração retalhado em fatias, se soubesse que no fim você partiria. Se não fosse para me embriagar de você eu não teria ido até o fim da taça desse seu veneno, esse seu mel de especiarias.

Você que chegou na hora errada pondo uma luz estranha e intensa no fundo dos meus olhos cansados — e já era tão tarde para me fazer sentir aquilo,— então já que invadiu a casamata, derruba-me logo as barreiras; não foram capazes, quebra as correntes, as amarras, essas tenazes; suga meu sangue, seiva. Salva-me!

Pois pantanosos são esses lugares; de inexplorados, tão ermos, para caminhar em direção ao meu coração, perigosos esses trechos; calcinados, tanto já sofreram nas minhas mãos. Quem diria ser este, para um coração, um caminho?

Os desvios e os desvãos me atraíam para terrenos ainda mais árduos. Perder-me fora condição para buscar o desconhecido, esse misterioso espaço só meu. Nebulosas paragens desse habitat instável, fascinante terreno, todo o meu corpo, miragem delirante, a ocupar espaços baços. Olhos perdidos em qualquer direção — os meus —, traços de pés plantados num desvio do caminho, um aviso, uma pista falsa num chão movediço qualquer.

Talvez você arrancasse de mim um suspiro inaudível como uma gota de dor, ou um abraço, como uma sombra para descansar sob uma árvore de galhos ressecados e quebradiços. Mas lhe faltarão os meios para decifrar tantos enigmas do meu peito e você, então, ficará sem forças e sem coragem para percorrer esses pedregosos leitos onde eu me deito na busca do oblívio do sexo.

Se eu fosse algum tipo de deus, eu me faria inteiramente seu para que você nunca partisse e me deixasse...Uma noite dessas acordarei suando, olhos vermelhos, o corpo em fogo, a gritar o seu nome, chamando você aqui.

Nessa noite descobrirão que enlouqueci.

1 comment:

Anonymous said...

Só posso dizer que amei a magia da descrição de um fugaz momento. Parabéns pela leveza da bruma.