Dificilmente a atriz Hillary Swank deixaria de receber o segundo Oscar pela sua torturante e torturada boxeadora no filme Menina de Ouro. A academia gosta de personagens aleijões ou com deficiências no corpo ou na alma. Este é o diagnóstico da personagem de Swank em Menina de Ouro, filme indicado a 7 estatuetas.
Quem acompanha a carreira do diretor Clint Eastwood já diagnosticou — esta palavra não está repetida à toa — sua tendência à morbidez e às mágoas humanas. Em seu oscarizado Sobre Meninos e Lobos, Eastwood já mostrava predileção por feridas expostas.
Em certo sentido Eastwood reforça nesses últimos filmes a idéia de que em Hollywood um filme de sucesso não pode tratar de muitos temas. Em Sobre Meninos e Lobos o diretor não desenvolveu o papel da Igreja Católica nos casos de pedofilia, vertente dramática que merecia ser explorada. Ora, o pedófilo do filme era um padre e o filme se passa em Boston, cidade onde estourou um gigantesco escândalo de pedofilia da Igreja, por que o diretor passou ao largo desse rico tema?
A mesma inapetência em diversificar abordagens acontece em Menina de Ouro. A boxeadora do filme parece ser assexuada, como se não tivesse desejos ou se sua opção pelo boxe, algo, convenhamos, não muito feminino, não tivesse lhe trazido dissabores sexuais. Ela gostava de rapazes? Foi magoada por eles? Era lésbica? Em momento algum aborda essa vertente também plena de significados. Isso empobrece os filmes.
Eastwood, ultimamente, faz com que eu me sinta um sádico que, no papel de voyer — papel que, em última análise, cabe aos cinéfilos — está em frente a uma tela para apreciar Mr. Eastwood destilar sua frustração com a humanidade.
Uma polêmica envolve este filme nos Estados Unidos. Ela não pode ser detalhada aqui pelo risco de antecipar o final da película, mas gira em torno da opção do diretor em mostrar uma visão degradante de um certo tipo de deficiente. Uma Associação Nacional de Afetados nessa deficiência e o grupo “Not Dead Yet” (Ainda não estamos mortos) nos EUA estão em campanha contando para os espectadores o final do filme em represália à maneira pouco edificante com que o diretor lidou com o tema. Eles acusam o filme de "confirmar os piores estereótipos".
Eastwood tem uma queda especial pela tragédia humana, pelas almas despedaçadas, pela falta de misericórdia de Deus diante das angústias dos homens. Seus heróis são vítimas da vida em uma permanente luta vã. Não há proteção contra as armadilhas do destino, só resta sofrer e lamber as feridas.
Em Menina de Ouro vemos um filme competentemente dirigido, mas com um argumento relativamente batido, repletos de clichês e simplismos como as personagens da boxeadora vilã, do treinador bonzinho, do aluno mau e do aluno bobo de alma pura. Registre-se, porém, o esforço algo inglório, do diretor em escapar dessas armadilhas esquemáticas e a coragem em abordar a indigesta relação da boxeadora com a família. Desculpem, mas isso também soou meio previsível mesmo a pesadíssima cena da assinatura do contrato no hospital. É bem feita, mas grotesca ao extremo.
Aparentemente Eastwood quer mostrar que amadureceu (ou envelheceu) nos seus temas. Quando interpretava o bruto Dirty Harry, seus personagens não eram vítimas da dor, mas lutavam contra ela e a venciam. Hoje, Eastwood demonstra um imenso desencanto, como seu pistoleiro recluso de Os Imperdoáveis e seu detetive enfartado de Dívida de Sangue. Há uma certa contradição aqui, pois Eastwood, ex-prefeito da cidade de Carmel, é também um político ligado ao partido republicano de Bush e amigo de Reagan. Há tempos os Estados Unidos não abarcam valores tão conservadores e republicanos, algo que deveria agradar ao conservador Eastwood, no entanto seus últimos filmes tratam de desencanto e um certo niilismo. Se a justiça divina não protege os homens e a justiça dos homens não os acolhe resta o fardo da dor e da culpa e as feridas expostas.
Sinceramente, acho que já chega de tanta dor. Ou, como diz uma amiga minha: me poupe!
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