18.8.06
O Baiano Interativo no restaurante
Dando seguimento aos capítulos bissextos do meu personagem favorito, o Baiano Interativo, aqui nós o encontramos em lugares que em ele abunda: bares e restaurantes.
O Baiano Interativo adora se exibir para amigos, inimigos, conhecidos e, principalmente, para desconhecidos. Levando-se em conta que o número de desconhecidos é muito superior ao de conhecidos, a prática da auto-exibição assume proporções de epidemia.
Melhor definindo: a interatividade baiana é endêmica e, nesses trópicos, cresce e floresce sem par ou inimigos naturais, estimulada que é pela cultura oficializada, que a valoriza como charme típico e a chama pelo pomposo nome de “A Baianidade”.
O Baiano Interativo viceja em lugares públicos e ostenta, indiscriminadamente, sua exuberante e orgulhosa baianidade, principalmente em bares e restaurantes, onde encontra-se a praga chamada “música ao vivo”.
Em um mundo perfeito as pessoas que tocam música ao vivo em bares e restaurantes seriam presas, juntamente com as que vão aos shoppings usando havaianas. Mas como isso pode soar draconiano demais, talvez fosse suficiente uma lei obrigando essas pessoas a prestar serviços comunitários, como capinar um jardim, pintar um muro, usar uma mordaça!
Ah, os benefícios de uma mordaça seriam inestimáveis para conter a praga da interatividade baiana.
Mas divago. Estava com o meu anti-herói no restaurante não foi? Um daqueles com música ao vivo. Por música ao vivo entenda-se um som entre o insalubre e o insuportável. O baiano típico odeia silêncios. O silêncio dói nele, agonia-o...Baianos Interativos precisam da música alta para não ouvir os outros e, assim, não ouvir seus pensamentos. Coloque quatro deles à mesa e faça uma aposta em quem estará ouvindo quem. Você ganhará uma fortuna se apostar em ninguém.
Um baiano interativo estará calado apenas quando não houver um desconhecido por perto para ele falar qualquer irrelevância. A irrelevância, por sinal, é o conteúdo principal de um diálogo entre dois baianos típicos.
Baianos não costumam receber pessoas em casa, mesmo os amigos, prefere fazê-lo em bares, onde pode, facilmente, livrar-se deles se surgir algo mais interessante.
Cena clássica: dois baianos se encontram na rua e, com uma efusividade exagerada até mesmo para padrões tropicais, cumprimentam-se em uma variedade do baianês, o braulês, aos gritos de “colé di mermo, brother! ”, “é ninhuma, rei, na moral!”, “sideu di mal, mêrmão!”. Essa terminologia consta do dicionário de braulês e é utilizada indiscriminadamente tanto pelos braus do Curuzu quanto pelos mauricinhos de Aleluia. É sinal de bom gosto!
Então lá estão eles no restaurante. Recentemente li uma reportagem que dizia que 80% dos bares e restaurantes de Salvador fecham as portas antes de dois anos de funcionamento. Entre as causas desse fechamento está o péssimo preparo dos funcionários, obviamente baianos.
Um dos valores mais sagrados do baiano, o primeiro mandamento do decálogo soteropolitano é: Tu te divertirás! Então o baiano que sai para se divertir e se aborrece, se chateia, com algo, estará pecando seriamente contra esse mandamento. Então ele sempre irá relevar e descontrair. Não importa se a cerveja está demorando, se o bolinho de bacalhau veio congelado, se o arroz chegou sem sal...ele agüentará. Quando a conta chega, ele paga sem conferir, não quer passar a impressão de que é “complicado”. Como ele vai sobreviver sem a galera, sem a turma do bar?
O baiano quer receber mais atenção dos garçons e por isso logo que chagam num bar tratam de ficar “amigos”, perguntam o nome do funcionário, o seu time de futebol, e criam um “vínculo”. Quando voltam lá esperam um tratamento melhor do que o dos outros clientes que não sabem esses detalhes. “Qualé Baêa!” “E aí, chefia, solta uma cerva geladíssima”!
Tenho várias histórias dessas. Eu as coleciono. Sou o rei de reclamar com garçons. Se os garçons de Salvador formassem uma confraria organizada, mandavam-me matar. Eu confiro a conta, reclamo da demora, questiono tudo. Não sei me divertir. Nunca me chamam para sair. Estou virando um eremita dentro dessa sesmaria, dessa freguesia, dessa província.
História 1: Lá estava eu, pela primeira e última vez, naquele bar do Rio Vermelho. Meu pedido demorava. Como não? Quando já ia reclamar para o garçom, eu o ouço respondendo às pessoas da mesa vizinha que reclamavam da demora da cerveja: — Fique na sua! — disse ele, entre o sério e o compenetrado, mostrando aos clientes a palma da mão num gesto de “pare!” E eles ficaram na deles, talvez até se envergonhado por apressar tão diligente garçom.
História 2: Levo um amigo a um restaurante na Barra, um lugar que me servira antes um farto e suculento filé com um preço honesto. Meu amigo pede o mesmo prato que vem com metade da quantidade de comida. Chamo o garçom que me ignora. Chamo de novo e reclamo. Ele passa a bola para a gerente. Chamo a gerente. Ela chega. Estou repetindo a história quando o celular dela toca. Ela, simplesmente, vira as costas para a minha mesa e atende. Deixa-me falando sozinho e vai embora, tagarelando interativamente, ao celular. E não volta mais. Nem eu.
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2 comments:
Luiz, eu adoro esse seu personagem. Nessa vc pegou pesado! Deixa o baiano interativo curtir a vida no bar e no restaurante! Rs Ivani Morais
Pegou pesado nada... acho até que aliviou.
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