12.8.06

A Natureza do Poder


Atualmente é comum falar de Big Brother com uma enorme familiaridade mesmo por quem nem imagina que o termo se refere ao onipresente vilão do livro 1984, de George Orwell. Muita gente boa também não sabe que a intenção de Orwell, quando escreveu o livro, era criticar o comunismo.

Recentemente Pedro Bial, perguntado sobre o que George Orwell diria sobre os reality shows respondeu: "Ele diria: puxa, o danado do capitalismo conseguiu subverter até isso!". Só que o capitalismo não precisava subverter nada, como disse Bial, porque o texto inteiro de 1984 é uma crítica ao comunismo. Afinal o capitalismo vai subverter o quê se o totalitarismo orwelliano é cópia do stalinismo comunista?

As utopias sempre alimentaram os homens e elas sempre são subvertidas quando se deparam com a realidade. Por isso não duram muito.O poder sempre se encarrega de cooptar tudo, como no caso do Winston, de Orwell, que após uma rebelião inútil é cooptado pelo Grande Irmão.

Com a eleição do primeiro presidente operário do país, defrontamo-nos, incorrigíveis que somos, com mais uma dessas utopias. O fenômeno da eleição de Lula lembra muito esse sistema de cooptação, digestão e deglutição dos crédulos, comum a todos os regimes de poder. Um famoso quadro de Goya mostra Cronos devorando os filhos. É um quadro terrível, de uma violência estética impressionante. O tempo é sempre implacável e Cronos é o senhor do tempo. A decepção com Lula em tão pouco tempo reflete bem a velocidade com que o mundo caminha nessa era das mídias virtuais digitais ultra rápidas. É preciso estar preparado, pois a velocidade é nauseante.

Em 1984, as utopias negativas se revelam como nunca. Em época de unilateralidade americana, guerras estúpidas pelo poder, conflitos em valores éticos, crise econômica mundial, globalização e ditaduras sangrentas, o poder gera um sistema auto regulado como uma solução totalitária homogênea. Quem não se adequar, como o Winston de Orwell, será engolido. O capitalismo e a globalização sempre vencem. 

Em outro livro de Orwell, A Revolução dos Bichos, comprova-se que a histórica dominação humana (das elites) sempre se portara como suprema e intocável, mas depois que os bichos (a esquerda) revolucionam esse poder, vê-se que a sua estrutura básica enquanto poder não mudou em absolutamente em nada.

Orwell pode ser chamado de niilista e pessimista, mas o danado matou a charada. Qual o sentido de tirar do poder uma elite dominante e colocar no lugar uma nova classe que, uma vez emancipada do seu papel de oposição vê-se, como os porcos de Orwell, travestida em uma nova elite, no começo meio envergonhada, mas já com os tiques dos poderosos ? Que semelhança incrível entre porcos e humanos do livro de Orwell. Como petistas e tucanos, já não se pode distinguí-los.

Orwell disse uma vez: "A maior desvantagem que sofre um movimento de esquerda é que, recém-chegado à cena política, e precisando constituir-se do nada, precisa criar seguidores dizendo mentiras. E para um partido de esquerda no poder, seu mais sério antagonista é sempre a sua própria propaganda anterior".

Mas um outro conceito embutido subliminarmente no texto orwelliano é que não é bem uma traição o que os novos poderosos fazem. Está mais para uma intrínseca necessidade de dominação de quem está no poder. O fracasso da utopia é inequívoco, pois não há razão em manter-se boa fé num sistema que não permite uma revisão profunda das relações intrínsecas com o consumo, com o trabalho, com o poder, com o mercado, com a liberdade. O mercado tem seus tentáculos entranhados em toda forma de poder, pois já não mais se concebe prescindir dele. O Grande Irmão é esse mercado global e anônimo e nesse sentido nunca se viu nada tão eficiente. Toda construção antropológico-social está baseada na impossibilidade de lutar contra ele.

Como em 1984, o PT vê-se imbuído do papel do grande irmão e como no livro, adota uma "novilíngua", um "duplipensar", o que se disse ontem não vale mais hoje. Pelos que governam busca-se o colaborador responsável, o conformista ajustado. Em A Revolução dos Bichos as leis escritas no celeiro a cada noite mudavam e quem questionava era punido. Como no livro de Orwell, as ovelhas moderadas estão sempre balindo para ofuscar a revolta dos radicais que questionam as mudanças súbitas das leis.

Até dá para pensar em traição, mas é muito pior do que isso. É a própria natureza do poder.

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