15.8.06

O Baiano Interativo e o Turista


Uma das coisas que mais me incomodam em Salvador é o Baiano Interativo.

Essa praga é tão disseminada pela cidade que é, praticamente, impossível escapar dela. Os baianos acreditam, a mídia os ajuda nisso quando vende essa imagem, que a famosa hospitalidade dos cidadãos locais é uma vantagem.

Parece que o turista, aqui chegando, jamais poderá caminhar, tranqüilamente, pelos sítios históricos ou desfrutar das aprazíveis paisagens da Soterópolis sem que uma horda de baianos interativos surja saída subitamente de becos e ladeiras para oferecer-lhe sua hospitaleira amizade.

O pobre turista será abordado e disputado a tapas e golpes de capoeira, terá seu pulso algemado com fitinhas do Bonfim e será arrastado para a casa do baiano interativo.

Não importa que o soteropolitano não fale uma palavra sequer do norueguês ou do italiano do ultramar, ele dará um jeito de se comunicar, de preferência em um tom de voz bem acima do seu normal, esse, já um tom escandaloso em si.

O desavisado turista, arrancado do seu dolce far niente flanar, será instado a escalar ladeiras da altura de um arranha-céu e, atirado pelo novo “amigo” em uma roda de samba e pagode, beberá cerveja “essa é da boa”, devorará quilos de moqueca de mapé e aratu “prá dar suadeira” e, “pra rebater”, enfiar-lhe-ão pela goela litros de água-de-coco.

A essa altura o turista conhecerá toda a família do baiano interativo. A sobrinha de 10 anos Suelen sentará no seu colo e não mais irá arredar dali apesar das tentativas vãs de Weitercleiton, esse de apenas seis, que precisará se contentar em se pendurar na barra da bermuda do ultramar.

A gorda tia Ivoneide já estará entregue ao sambão com a canga estampada — que já teve seus dias de glória — amarrada na altura das tetas, mal cobrindo o maiô bordô.
Ivoneide, vez por outra, joga a cabeça para trás e solta uma risadinha arfante. Não tem mais peso ou idade para isso, mas, surpreendentemente, samba aos gritos de “ordinária”, expressão que o turista crê ser uma grande elogio, devido à maneira como isso parece agradar à Tia Ivoneide.

O pai do nosso baiano interativo, Seu Ivonildo — irmão caçula de Ivoneide — estará firme no agogô e, pelos olhos baços e semicerrados, já demonstra estar entornando a cerveja desde muito cedo. Mas Ivonildo leva o ofício muito a sério. Comanda a roda de samba e de capoeira e canta firme: ”Aruanda ê/ Aruanda ê/Aruanda ê camará”.

O nosso baiano interativo exibirá aos seus, com orgulho, o turista arrebanhado, apontado-lhe a cunhada, o cunhado, o irmão militar e a irmã auxiliar de enfermagem.
O turista sorri amarelo, não se sabe se de confusão ou se já é efeito do mapé!

A roda de samba vai aos poucos se acabando. Suspeita ser algo ligado à hora do Ba-Vi, que o turista crê ser um ritual sagrado superior a tudo mais, pois ele, de repente, se verá sozinho em um quintal abandonado. Jogam-no numa rede, finalmente Suelen e Weitercleiton encontraram alguma outra novidade — ou outro turista por perto — e o “gringo” poderá, finalmente, dormir, embalado pelas toneladas de álcool e dendê que ingeriu e ouvindo as ondas do mar competindo com o som do Psirico e gritos de Baêêêêêa, que ele jamais entenderá o que significa. Não irá perguntar. Pelo resto da sua vida terá pesadelos com esse grito medonho.

No fim da tarde, nosso turista será arrastado para a Ribeira onde o obrigarão a tomar um sorvete “da porra” e, exortado por exemplos vários, mijará num muro vizinho a um módulo policial.

O “seu” guarda o repreenderá abrindo os braços e batendo de volta nos lados do corpo com a célebre frase que o turista a essa altura descobre servir para quase tudo: “Qual é a sua meu rei!” ou talvez sua variante mais comum; “Colé Papá”.

6 comments:

Anonymous said...

Antes que poste os demais textos referentes à interatividade baiana, leia mais sobre educação e menos sobre política da forma veiculada pela mídia. Vá até as bases. Você poderia dar sugestões sobre politicas públicas para melhorar a "cultura baiana no tratar o turista".Incomoda-me quem aponta defeitos sem apontar uma solução ou providência.
Jacqueline

Anonymous said...

Luiz.

Seu blog está uma mesmice, uma exibição de suas preferências intelectualóides. Muito certinho. Escancare, por favor! Você é mais interessante do que isto.
Pode começar a trabalhar!!!
Jacque

Anonymous said...

achei ótimo! parece uma crônica de Rogério Grillo.rss

abraços.

RGrillo

Anonymous said...

Também acho ótimo. Não saberia fazer nada pareceido.
Apontar soluções, nesse caso, seria atitude iluminista e antipática.
A série sobre o baiano interativo soa como denúncia. Tem o sabor do ineditismo.

Anonymous said...

Eu acho que se fosse necessário apontar soluções para poder criticar as coisas, somente os muito boçais ou presunçosos escreveriam, ninguém pode criticar?
Creio profundamente no valor do deboche e da ironia como veículos eficientes de mudança. Aliás, Aristóteles já pensava assim há mais de 2 mil anos.
Creio que quando se debocha de algum comportamente social, já há ali um germe de uma pequena revolta.

Unknown said...

Excelente! Não vi críticas: vi um retrato inteligente e bem-humorado da personalidade icônica e REAL que é o baiano intereativo. Um pequeno tratado antropológico. Estou me esforçando para não me sentir pessoalmente ofendida com o comentário de que "seu blog está uma mesmice". Pois antes de ler seus artigos sou uma pessoa, depois sou outra: mais feliz, mais antenada,privilegiada. E para que tanta agressividade de "anonymous"? Despeito, inveja? Enfim, bj, Captain!