Este é o nono livro que eu leio
da badalada autora italiana Elena Ferrante que, como sempre faz em suas obras,
aborda com maestria histórias de protagonistas femininas. Ferrante fez isso na sua Tetralogia Napolitana
e nos romances Dias de Abandono, Um Amor Incômodo e A Filha Pedida, a maioria
deles adaptados para as telas, como é o caso do seu novo livro: A Vida Mentirosa dos
Adultos, lançado em plena pandemia e que agora pode ser conferido em seis
episódios na Netflix.
Aqui, acompanhamos o crescimento da pós-adolescente Giovanna, filha de intelectuais de esquerda na Nápoles dos anos 90. Já na primeira página do livro, a narradora relata uma frase entreouvida do pai que a marcará profundamente e determinará sua dificuldade de lidar com a dor do crescimento e a perda da inocência e da ingenuidade.
"Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. [...] Tudo — os espaços de Nápoles, a luz azul de um fevereiro gélido, aquelas palavras — ficou parado. Eu, por outro lado, escapei para longe e continuo a escapar também agora, dentro destas linhas que querem me dar uma história, enquanto, na verdade, não sou nada, nada de meu, nada que tenha de fato começado ou se concretizado: só um emaranhado que ninguém, nem mesmo quem neste momento escreve, sabe se contém o fio certo de uma história ou se é apenas uma dor embaralhada, sem redenção.”
O pai compara a falta de beleza da filha com a da sua própria irmã Vittoria, ovelha negra banida da família, e tal comparação faz com que a adolescente associe a sua falta de beleza à falta de caráter, marcando-a profundamente numa idade em que essas coisas são extremamente dolorosas. Essa tia misteriosa se torna uma obsessão e em busca dessa personagem enigmática (e assim em busca de si mesma), Giovanna, aos poucos, escapa do conforto do seu bairro chique de Nápoles para a periferia industrial e cinzenta da cidade. O livro a segue nessa jornada e, ao final, veremos como todos os percalços farão nossa jovem narradora se tornar uma mulher. Não é um final redondo, como é comum acontecer nos romances de Elena Ferrante mas é, indiscutivelmente, uma jornada de crescimento interior e que só acontece quando aprendemos a lidar com as inevitáveis dores do crescimento.
Destaco a ótima abertura da série com a canção Nun te Scurdà (Não Vou Te Esquecer) e também a cena linda em que Vittoria e Giovanna dançam juntas ao som de Edith Piaf com Non, Je Ne Regrette Rien.
Outra canção ícone dos anos 90, All That She Wants dos suecos do Ace of Base está na série, mas na minha opinião a abertura do episódio 4, intitulado Solitudine (Solidão), com imagens de trás para frente e em câmera lenta, é um escândalo de tão bela e merecia, por si só, um prêmio, sobretudo porque é acompanhada da canção In a Broken Dream, na voz rouca de Rod Stewart. É um tiro no coração.
6 comments:
A crítica está bem narrada e
desperta curiosidade, vou assistir ao filme.👏👏
Crítica especular!
Depois de ler sua resenha, impossível não querer assistir, ler e ouvir …
Instigada a todos os sentidos sugeridos... Obrigada
Boa resenha,ilumina os embates de gerações.
Adorei o seu comentário sobre o filme. Um texto primoroso!
Como vc faz uma análise profunda e numa escrita quase poética! Parabéns!
Não assisti ao filme.
Mas, fiquei muito interessada agora.
Já li a tetralogia de Helena Ferrante e achei espetacular!
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