ou: Mamãe, olha minha testosterona!
Quase sempre, quando se quer
elogiar um filme com a frase: “A fotografia é belíssima”, isso indica que
aquele atributo sobrepõe outras qualidades da obra. A bela fotografia deve ser
um plus e não o cartão de visitas de um filme.
O Homem do Norte, dirigido por Robert Eggers (A Bruxa e O Farol) tem fotografia, iluminação, figurino, maquiagem e locações memoráveis, mas não me emocionou por não me ser dada uma boa história para acompanhar.
A
trama é, para um filme, o que é o recheio para um bolo. Deve ter camadas e
nuances para ser apreciada em etapas, atingindo-nos em pontos diversos de
emoção. Todo o resto é uma bela cobertura, a linda embalagem de um presente
apenas regular.
O
excesso de brutalidade e todo o alarido dão ao filme, com censura de 18 anos,
um registro acima do tom. Sei que na vida real, a selvageria deveria até ser
muito pior, com todo aquele sangue, a lama e os excrementos, mas, com tanto
incômodo, não vi os tão elogiados planos-sequência, o que me pareceu estranho
já que eles logo me chamam a atenção em um filme, pois sei que dão muito
trabalho para coreografar. Pena que não os percebi.
A produção de quase 90 milhões de
dólares foi precedida de um gigantesco trabalho de pesquisa com especialistas
na vida dos vikings para as coreografias das batalhas e reprodução do dia-a-dia
daquelas comunidades violentíssimas, o que resultou num forte impacto visual
pela perfeição da atmosfera opressora e aterrorizante. Mas essas são a
cobertura caprichadíssima do bolo.
O elenco excelente (destaques
para Willem Dafoe e Ethan Hawke) trabalha sobre arquétipos monolíticos e
ninguém parece ter nuances. O talentoso Alexander Skarsgård interpreta o
protagonista, filho da rainha Gudrun, personagem de Nicole Kidman. Tudo bem que
naquela época as mulheres tinham filho muito cedo, mas a diferença de idade
entre os atores é de apenas 9 anos e ambos já fizeram um casal na ótima série
Big Little Lies da HBO.
Louvo o retorno ao cinema da
cantora-atriz islandesa Bjork numa cena curta e marcante. Bjork fora premiada
como melhor atriz do Festival de Cannes do ano 2000 pelo filme Dançando no
Escuro, então seu primeiro papel no cinema, quando, tão traumatizada pela mão
pesada do diretor Lars von Trier, declarou que jamais voltaria a fazer cinema
na vida.
O filme tem como base a lenda
dinamarquesa do príncipe Amleth que inspirou Shakespeare para construir seu
atormentado Hamlet, personagem-herói símbolo da indecisão, imobilizado e
emocionalmente castrado frente ao dilema de como lidar com o tio que lhe matou
o pai, levando junto o trono da Dinamarca e sua querida mãe.
A vingança de Amleth é alimentada
num mantra auto-hipnótico e repleto de decisão e ação, ao contrário do seu
quase homônimo Hamlet. Aqui temos um filme com uma violência gráfica absurda
que deseja vivamente o desconforto da plateia.
Mas a masculinidade que grita da
tela chega a irritar de quase tóxica, com pouco ou nenhum espaço para a
sutileza. A breve oferta de paz oferecida ao vingativo Amleth pela personagem
de Anya Taylor-Joy (de A Bruxa e O Gambito da Rainha) sabe-se de cara que será
recusada, pois frustraria toda a jornada do herói.
As mulheres são motores das mãos masculinas: a bruxa (Bjork) que indica o caminho da vingança, a mãe (Kidman) que aponta um atalho alternativo, e a amada (Anya) que oferece uma redenção. Mas o peito de Amleth só tem espaço para a violência
Apesar de uma surpreendente insinuação de incesto por parte da mãe, isto não chega de fato a abalar o coração do nosso herói. As únicas emoções resultantes dessa possibilidade são o mesmo ódio de sempre e uma expressão de espantado nojo, até àquela altura do filme uma novidade facial já que ele não sentia qualquer asco mesmo diante das crueldades mais vis.
Aliás, uma vertente que o roteiro
não ousa avançar, pecando na caracterização em camadas de um protagonista sem
camadas, é que o assassinato do pai de uma criança e o roubo de uma mãe
geraria, legitimamente, como cicatriz narcísica, também uma frustração
edipiana. Mas isto não pareceu relevante para o diretor enfrentar. Daria
nuances ao protagonista que precisava ser apenas uma máquina de matar.
E ao matar geral é como se
berrasse: “Mamãe, olha minha testosterona!”
No comments:
Post a Comment