Há anos este livro estava na minha lista de leituras futuras até que, no mês passado, em poucos dias, devorei suas mais de 550 páginas da edição da Companhia das Letras-Penguin que acompanha excelente introdução e posfácio. Mas luxo mesmo seria ter lido o mesmo livro na edição anterior, da Cossac Naif, editora que encerrou suas atividades e que, além de capa dura, traz 320 maravilhosas ilustrações. Pena que esses exemplares chegam a custar até R$ 3 mil na internet enquanto a edição da Cia das Letras pode ser encontrada até por R$ 40,00 em algumas promoções na Amazon.
Publicado em 1919, portanto há pouco mais de cem anos, este livro é considerado um dos mais importantes já escritos sobre a Idade Média. Com o subtítulo: “Estudo Sobre as Forma de Vida e de Pensamento dos Séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos”, ocupou grande parte da vida do seu autor, o historiador holandês Johan Huizinga.
Com um texto deliciosamente fluido, apesar de tratar de um tema aparentemente complexo que é o período
final da Idade Média, o autor, sabiamente, utilizou métodos e fontes que
não eram usuais na época, aproximando-se do que tempos depois seria batizado de
História das Mentalidades.
Aqui, a vida medieval é retratada
cultura e artisticamente com seus profundos aspectos religiosos e políticos
além dos seus modos cotidianos de lidar com a felicidade, os
lutos, as guerras, os medos e os afetos.
No capítulo sobre a violência das
execuções públicas Huizinga diz: “A excitação cruel e a compaixão grosseira
diante do patíbulo eram um elemento de peso na dieta espiritual do povo. O que
nos impressiona na crueldade judiciária do fim da Idade Média é menos a
perversidade doentia do que a alegria animalesca e embrutecida do povo, a
atmosfera de quermesse” e lembra um episódio em que o povo ficou mais feliz com
o esquartejamento de um ladrão do que ficaria se um novo corpo santo tivesse
ressuscitado. Arremata o autor: “ Este
é um mundo mau. A chama do ódio e da violência arde vigorosamente, a injustiça
reina, o demônio cobre com suas asas negras a terra em trevas”.
Mas não apenas de violência é
feito o outono da Idade Média de Huizinga. Ele trata do anseio das pessoas por
uma vida mais bela, as elaboradas etiquetas das cortes medievais, as famosas
obras de arte, os prazeres da mesa farta, as diferentes regras de vestimentas e
o significado das cores usadas na indumentária, a concepção hierárquica da
sociedade, as ordens de cavaleiros, a imagem da morte etc.
Há curiosidades saborosas como o
relato do comportamento dos fiéis durante as missas, quando as pessoas iam às
igrejas para exibir roupas e penteados e passavam o tempo em meio a
frivolidades, conversando e flertando e até a presença comum de prostitutas
oferecendo seus serviços abertamente.
Uma nota final. Sou fã de
romances e livros de ficção, mas de vez em quando incluo um livro de não ficção
na minha listra e sempre fico impressionado. No ano passado, dos
55 livros que li, só dois foram de não ficção: "Da Criação ao Roteiro", de Doc
Comparato e "Declínio e Queda do Império Romano" de Edward Gibbon. O Outono da
Idade Média dá brilho já no começo, à minha lista de 2022.
3 comments:
Amado, quero ler os dois. Beijos
Diferentemente, minha opção por Literatura ficcional foi derretendo desde o fim da adolescência e a minha paixão por história foi determinante nisso.
Assim, já sabe né? Os dois citados, que retratam a Idade Média já estão na minha lista, logo que eu termine "como o racismo criou o Brasil" (que possui relação com meu tema de pesquisa), depois dessa crítica..
Muito legal
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