18.9.21

MERIDIANO DE SANGUE

         Depois de ter lido dois livros de Cormac McCarthy (A Estrada e Onde os Velhos Não Têm Vez) tomei coragem para enfrentar o livro mais famoso do autor: Meridiano de Sangue, exemplar do puro estilo gótico sulista norte-americano, no qual também se encaixam os geniais William Faulkner e Herman Melville. 

           O crítico e ensaísta Harold Bloom, em seu livro sobre os cânones literários mundiais, diz que nenhum romancista norte-americano vivo oferecia um livro tão marcante e memorável como Meridiano de Sangue.

    Enfrentei uma das jornadas mais violentas, na verdade a mais sangrenta que já encarei num livro, acompanhando por quase 400 páginas a trajetória de um órfão de 14 anos (identificado no livro apenas como Kid) que foge de casa e, após inúmeros transtornos, adere ao grupo do violentíssimo caçador de índios John Joel Glanton, personagem histórico real que no século XIX era pago pelo governo para matar e escalpelar índios. A partir de certo ponto, os assassinos não fazem mais diferença entre índios e brancos e o número de escalpos cresce geometricamente.

      O caminho dos personagens pela fronteira Oeste dos EUA e o México é descrito com muitos detalhes pelo autor, levando-nos a mergulhar naquele ambiente desértico que se assemelha a um inferno na terra, com direito à companhia de um dos personagens mais enigmáticos e asquerosos de toda a literatura mundial: o albino juiz Holden, uma espécie de representação pura do mal.

          Se existe um demônio na literatura, o juiz Holden foi seu professor, um homem perigoso, com quase dois metros de altura, fortíssimo, inteligentíssimo, poliglota, sem um único pelo no corpo e capaz de matar cãezinhos ou estuprar crianças sem piscar um olho.

        Se algum leitor se assustou com as mentes distorcidas de personagens como o Capitão Ahab, de Moby Dick de Herman Melville ou o Coronel Kurtz de Coração das Trevas, de Joseph Conrad, deve multiplicar isso ao infinito para chegar perto do juiz Holden para quem “Tudo que na criação existe sem meu conhecimento existe sem meu consentimento” e “A lei moral é uma invenção da humanidade para destituir de seus direitos os fortes em favor dos fracos”.

          O livro é difícil, não pela sua linguagem que é linear, mas que pode ser estranha a princípio, mas o leitor logo se acostuma com a estrutura de diálogos diretos e sem travessões ou aspas para indicar a interlocução e que lembra o estilo de José Saramago. A real dificuldade está em encarar cenas de violência extremamente gráficas e de uma brutalidade atroz.

          Engana-se, entretanto, quem pensa que a violência do livro é gratuita. Muito forte, sim, mas jamais gratuita. Estamos no meio de homens capazes de tudo, embrutecidos pelo ambiente hostil em que vivem ou sobrevivem, sem qualquer resquício de humanidade ou empatia, enfronhados na sede e fome; na seca ou na lama; no frio e calor extremos. Matar e morrer são meros detalhes.

      Mesmo com a violência gráfica e descrição de massacres, o livro consegue alternar momentos do lirismo mais puro. E consegue também um misto das duas coisas, como na passagem: “Cavalgaram pela estrada norte como qualquer grupo com destino a El Paso, mas antes até que chegassem a sumir de vista da cidade desviaram suas montarias trágicas para o oeste e seguiram insensatos e meio desatinados em direção ao término vermelho daquele dia, em direção às terras crepusculares e ao distante pandemônio do sol”.


1 comment:

dm said...

Bom resumo. Quem curte o gênero vai sair correndo para livrarias físicas ou de internet. Para mim, boa dica do que não ler...rs