4.6.21

UMA CENA DE VIOLÊNCIA ABAIXO DE ZERO

VIOLÊNCIA NUM SUPERMERCADO

Pela primeira vez neste blog repito uma postagem, mas por uma justa razão. Trata-se do destaque a um trecho de uma postagem maior escrita como relato de uma viagem pela Alemanha na companhia de amigos. A postagem original está aqui mesmo no blog com o título de Alemanha Abaixo de Zero.

A razão do destaque que ora faço foi a necessidade de dar mais visibilidade a uma cena de violência que vi e que merecia estar num post específico num momento de tanta visibilidade a ataques raciais.

"Deixamos Berlim para trás e chegamos a Dusseldorf após sete horas de viagem de carro onde passamos em um supermercado para compras e foi quando presenciamos uma das cenas mais estranhas que já vi. Nossa anfitriã, que mora há 15 anos na Europa, nos disse que nunca vira algo do tipo por lá.

No grande supermercado havia um silêncio sepulcral num sábado em que lá fora faziam 2 graus negativos. Nossa atenção foi atraída por uma gritaria. Naquele silêncio, os gritos pareceram surreais. Então, passou por nós um homem negro correndo em alta velocidade. Passou ao nosso lado, tão perto que podemos reparar nos seus olhos enormes, assustados, como um animal perseguido. Atrás dele vinham dois homens louros, germânicos, saudáveis, fortes.  O que significava aquilo não nos era compreensível no momento.

O homem negro tentava escapar de alguma coisa, talvez tivesse roubado algo no supermercado. Os dois homens brancos que o perseguiam gritaram e dois outros, à frente, estenderam as pernas derrubando o negro no chão. Ele se levantou com uma agilidade impressionante, atirando-se na direção da porta automática que se abriu para ele sair para o meio da rua e da neve. Eram duas portas automáticas para proteger o interior do frio. 

A cena foi estranhíssima. As duas portas ficaram se abrindo e se fechando initerruptamente enquanto, no espaço entre elas, quatro homens brancos e fortes se debatiam no chão com um negro que tentava, a todo custo, escapar deles. Ele talvez fosse algum imigrante ilegal, talvez soubesse que sua fuga poderia significar sua permanência naquele país gelado, talvez tivesse certeza de que uma prisão representaria uma deportação...

Ele se debatia, as pessoas se aglomeravam em volta. Ninguém falava nada...um silêncio assustador. Nenhum dos quatro brancos dizia ou gritava coisa alguma. O homem negro também, aparentemente, economizava energia para a fuga. Só se ouvia o som das portas se abrindo e se fechando, se abrindo e se fechando repetidas vezes. Toda a cena tinha um conteúdo simbólico impressionante. Lembrava uma caçada, um animal tentando escapar de uma armadilha...e em volta, vários alemães, clientes do supermercado assistindo a tudo de mãos dadas com os seus filhos, como num processo educativo e pedagógico. Ou simplesmente pelo ineditismo da cena ou pela curiosidade.

Parei de olhar quando começaram os socos. Os homens brancos socavam com força o rosto do homem negro. Entendi que a coisa ultrapassou a esfera profissional pois os brancos não estavam mais simplesmente defendendo o patrimônio ou a lei, mas reagindo a alguém que, mesmo praticamente dominado, insistia em tentar fugir.

O sábado foi marcado por essa cena dantesca e saímos a tempo de ver a policia levar o homem dominado. Foi tudo tão inesperado que não tirei nenhuma foto da cena mas tenho-a toda gravada nas minhas retinas. Não sei o que me chocou mais: a cena da violência em si ou o silêncio envolvido naquilo tudo, com o único ruído sendo o daquelas malditas portas abrindo e fechando, abrindo e fechando, abrindo e fechando. 

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