14.1.21

ONDE OS VELHOS NÃO TÊM VEZ

    Tenho o hábito de ler sempre os autores de que gosto, que escrevem livros que combinam com meu gosto literário. A vantagem disso é se aprofundar no estilo daquele escritor e a certeza de uma boa experiência. Porém, isso me priva, às vezes, de descobrir grandes autores a quem ainda não tinha dado uma chance. E é sempre uma espécie de epifania cruzar com um escritor assim. Foi o que acabou de acontecer.

        Ainda estou sob o impacto da leitura de Onde os Velhos Não Têm Vez (No Country for Old Men), do norte americano Cormac McCarthy. No Brasil, o filme adaptado do livro recebeu o título: Onde os Fracos Não Têm Vez. Um balaço no juízo do leitor.

     Fico me perguntando por que ainda não tinha lido Cormac McCarthy, unanimemente reconhecido como um dos maiores escritores da atualidade e laureado com o prêmio Pulitzer pelo romance pós-apocalíptico A Estrada, também já adaptado para o cinema com Viggo Mortensen e Charlize Theron. Vai ser minha próxima leitura, pois McCarthy acabou de me viciar.

        Uma das características do autor é a maneira única de escrever, com um texto direto, fluido que lembra José Saramago quando não usa sinais para indicar os diálogos que costumam ter início no meio de uma frase. No começo a leitura pode parecer estranha, mas logo me acostumei a esse estilo peculiar e ao invés de ser um texto difícil na verdade é o contrário. É muito simples, com frases curtas em orações coordenadas, quase como a transcrição literal de pensamentos e falas dos personagens. Uma coisa viciante que não dá para parar. Seria como querer parar um pensamento.  

      Quase não se sabem as características físicas dos seus personagens, o que permite formar uma imagem mental por parte de cada leitor. Outras particularidades são a extrema violência das ações e a virilidade da narrativa e também dos personagens, como se a testosterona derramasse pelas páginas.

        Impossível não associar ao filme dos irmãos Coen, de 2008, indicado para 8 Oscar e que levou 4 estatuetas (inclusive filme, roteiro e direção, todos para as mãos dos Coen), além de ator coadjuvante para o assustador vilão interpretado por Javier Bardem.

A história segue três personagens: o xerife Bell (Tommy Lee Jones no cinema); o desafortunado Moss (Josh Brolin, na tela); e o já citado Javier Bardem, que encarna Chigurh, um dos antagonistas mais enigmáticos que já vi nas telas ou na literatura e que traz a marca da maldade gratuita de um psicopata com um ego gigantesco. Ele carrega um cilindro de oxigênio e costuma matar suas vítimas não com um revólver, mas com um único e mortal jato de ar comprimido na cabeça.

Acompanhamos, num fôlego só, a busca do xerife Bell e do vilão Chigurh pelo soldador Moss, que encontrou (por azar) uma sacola com milhões de dólares em pleno deserto ao lado de carros varados de balas e traficantes mortos em uma disputa de dois cartéis de drogas. O roubo do dinheiro leva Moss a uma fuga desesperada e um rastro de mortes que se seguem.

As reflexões internas do xerife Bell são um contraponto às ações frenéticas, interrompidas por elipses inesperadas e diálogos afiados. Transcrevo um trecho, mas poderia selecionar inúmeros outros: “Fechou os olhos sim. Fechou os olhos e virou a cabeça e ergueu uma das mãos para desviar o que não podia ser desviado. Chigurh atirou em seu rosto. Tudo o que Wells já tinha sabido ou pensado ou amado escorreu devagar pela parede atrás dele. O rosto de sua mãe, sua primeira comunhão, mulheres que tinha conhecido. Os rostos dos homens enquanto morriam de joelhos aos seus pés. O corpo de uma criança morta num barranco junto à estrada em outro país. Ficou caído parcialmente sem cabeça na cama com os braços abertos, a maior parte da mão direita faltando”.

Recomendo muito a leitura com sua sonoridade rara e fácil de acostumar. Em pouco tempo, a gente percebe que aspas, travessões e vírgulas não fazem mesmo a menor falta e a agilidade da narrativa e os diálogos irão hipnotizar o leitor que não sairá o mesmo após a última página.

1 comment:

Rodrigo Sarmento said...

Vou adicionar na minha lista de leitura