30.1.21

Miami, Uma Pocilga ao Sol

Logo no primeiro dia, senti que alguma coisa estava muito errada naquela viagem. No último dia, os envolvidos já queriam se matar. 

A primeira etapa consistiu no desembarquei com dois amigos no aeroporto de Miami. Haveria um espaço de 13 horas entre a chegada em Miami e a hora de deixar a cidade rumo a Washington, às 6 da tarde. 

A operadora no Brasil não conseguiu um voo mais cedo e ainda teríamos que pegar uma conexão de Washington para Nova Orleans às 9 da noite. Assim, pensei em conseguir no aeroporto de Miami um voo mais cedo para Washington e de lá outro mais cedo para Nova Orleans. Não queria ficar 13 horas em Miami. 

Às 5 da matina estávamos no balcão da United perguntando a um negão gente boa se haveria chance de conseguir esse voo para Washington mais cedo, mas meus amigos preferiam ficar essas 13 horas em Miami. O negão da companhia disse: "Não fiquem em Miami! Miami é horrível, não tem nada aqui que preste! Vocês vão ser assaltados! Miame Beach e South Beach são pocilgas. Eu boto vocês num voo em meia hora para Washington. Lá vocês pegam um shuttle que faz um passeio com guia que leva vocês à Casa Branca, ao cemitério de Arlington, ao Congresso, Capitólio, Museu Smithsoniano, aos monumentos a Washington, Lincoln e Jefferson etc. Depois leva vocês de volta ao aeroporto a tempo de pegarem o voo para Nova Orleans." 

Tentei argumentar com meus amigos para irmos. Se Miami tem praia, Salvador também tem e nós não estávamos viajando por causa de praia, estávamos? Quem trocaria Washington por Miami por causa da praia? Meus dois amigos recusaram. 

Descobrimos, sonolentos, o guarda-volumes do aeroporto, guardamos nossas malas, pegamos um ônibus e fomos para South Beach. Quase 1 hora depois, saltamos do ônibus, tomamos outro, saltamos no começo de South Beach às 7 da manhã. Andamos durante 3 horas pela beira da praia, pela areia da praia, pela rua e pela calçada e não encontramos nada! Quase deserta. Pouquíssimas pessoas na praia e na rua, as loja fechadas, os restaurantes fechados, poucos carros e nada de movimento. Só às 10h conseguimos tomar um caríssimo café da manhã. Mais 1 hora andando pela praia num sol escaldante até o fim de South Beach. 

O fim mesmo! Acabou a praia, acabou a cidade, acabou tudo, não tinha mais nada. Só víamos um descampado, um terrenão baldio enorme, deserto e uma espécie de camping abandonado. Paramos para descansar, nem tomar um banho num chuveirinho que tinha na praia a gente podia, porque deixamos os shorts nas malas no aeroporto. 

Estávamos exaustos e morrendo de calor e eu amaldiçoando os amigos a cada minuto. Imaginava que estávamos ali naquele sufoco quando podíamos estar no Museu Smithsonian em Washington no ar condicionado ou no cemitério de Arlington onde eu poderia tirar fotos para minha coleção de fotos em cemitérios famosos. 

Descansamos numa sombra improvável, atravessamos um descampado e um estacionamento abandonado, saindo numa rua deserta. Pegamos um táxi arredio, perdido naquele ermo. Foi nossa salvação. O motorista, um negão haitiano, nos explicou o que estava acontecendo: "Miami só acorda depois das 11 horas da manhã!" 

Então foi isso. O povo nessa cidade ferve até de madrugada e só acorda quase meio dia. O haitiano nos levou até Miami Beach para, digamos, "apreciar o movimento". Senti-me um jeca total quando meus amigos pediram ao motorista para parar em frente à casa de Versacce para eles tirarem uma foto ali. "Onde tombou Versacce", me disse um deles. Eu preferi não contrariar e esperar no ar condicionado do táxi enquanto eles se enquadravam nas fotos em frente à mansão em um estilo que não consegui identificar. 

Finalmente vida! Finalmente Miami Beach, o povo patinando e se mostrando pelos calçadões. Vamos apreciar o movimento. Mas não dá para ficar apreciando movimento até 6 da tarde quando teríamos que voltar ao aeroporto para pegar o bendito voo. Bem, já que estamos nessa zorra dessa cidade por causa dessa zorra dessa praia vamos aproveitar e tomar um banho de mar né? Quem disse que consegui consenso? Um dos amigos que insistiram tanto para ficar em Miami por causa do mar, não queria tomar banho por dois motivos: 1º motivo, ele já havia se banhado no Atlântico e seu sonho era tomar banho no Pacífico! 2º motivo, ele não tinha shorts. 

Eu não podia discutir o primeiro motivo sob pena de perder completamente o resto de minha sanidade mental, mas o segundo dava para resolver. Compraríamos shorts em uma loja, loja não faltava! Convenci um, não o que queria o Pacífico. Argumentei até os limites da minha paciência que havíamos andado mais de 3 horas na beira da praia, sentimos como aquela cidade é quente e o que ele iria fazer quando nos visse, alegremente, na água do mar? Ou ele achava que iríamos perder a oportunidade de tomar um banho, mesmo que fosse um banho no Atlântico? 

Ele retrucava alegando que não teríamos como tirar a água salgada do corpo antes de ir ao aeroporto. Apontei os chuveirinhos nas praias mas ele, irredutível, garantiu que não iria tomar banho nem comprar shorts. 

Eu disse: "Olha, seu sacana, se você chegar na beira da praia e resolver entrar na água, não vai poder voltar aqui e comprar shorts porque temos pouco tempo." Como eu previra, o sacana mal botou os pés na areia lotada de gente bonita resolveu que queria entrar no mar. 

Quase explodi! Disse que ele não iria voltar porque a loja era longe e ele agora iria ficar ali vendo a gente se divertir. A cara dele deu pena e acabei sugerindo que ele dividisse o short com o outro amigo. Meu amigo que comprou o short o tirou na água e ficou de cueca dentro do mar. Levei o short dele para o outro vestir e fiz barreirinha para ele tirar a calça jeans e vestir o short do outro que estava no mar. 

Depois desse processo resolvemos dar uma volta pela praia e quando notamos estávamos há quase uma hora andando e nosso amigo, uma das pessoas mais brancas que conheço,  fora esquecido na água do mar sob um sol escaldante. Ao voltarmos o confundimos com um pimentão cozido no forno, pois ele, inibido e de cueca, não quis sair da água e de qualquer modo não alugamos um guarda-sol. 

Havíamos chegado àquela praia perto das 2 da tarde e estipulamos ficar só até as 4 horas, pois ainda tínhamos que nos lavar no chuveirinho da praia, tirar as roupas molhadas, vestir  roupas secas e pegar um ônibus para o aeroporto. O capítulo do chuveirinho foi quase uma novela. Por pouco não fomos presos por atentado ao pudor, pois tínhamos que nos lavar, tirar os shorts, vestir as calças e camisas, calçar os tênis ali mesmo e secar no sol pois nem toalhas tínhamos. 

As roupas molhadas foram guardadas nas sacolas plásticas da loja. Pegamos um ônibus. 

Um ônibus errado!  Ele não nos levou ao aeroporto. Perguntei ao motorista então qual era o ônibus certo e ele, gentilmente, nos deixou saltar e indicou outro ponto onde pegaríamos o ônibus correto. Já eram mais de 4 da tarde e o motorista disse que devíamos pegar o ônibus com a letra J. Ou seria letra G? Ele falou numa mistura de inglês e espanhol. 

Afinal era o ônibus. G ou J? Quase pegamos o ônibus errado novamente, mas fomos demovidos por uma negona jamaicana ou panamenha, que estava no ponto e que, praticamente, me puxou pela mochila de cima do segundo degrau. Agora sabíamos que era letra G. 

Após esse vexame, esperamos quase uma hora. O ônibus certo passou mas nós estávamos com tanto sono que dormimos. Os três! A negona dominicana ou salvadorenha não estava mais ali para nos salvar. Esperamos mais uma eternidade até outro ônibus. Meus amigos queriam ir de táxi mas eu disse que sairia muito caro, afinal foi mais de uma hora até o aeroporto. Finalmente, o ônibus certo de novo. 

Assim que entrei perguntei à motorista, uma negona de perucão e dedos cheios de anéis: “Miss, esse ônibus demora meia hora até o aeroporto não é?" 

Ela respondeu, seca: "Não! Uma hora" .

Eram exatamente 5 da tarde e ainda tínhamos que pegar as malas no guarda volumes e fazer o check in. Foi então que lembrei que nos Estados Unidos o povo sai do trabalho as 5:00. Amaldiçoei-me por não ter aceitado a ideia do táxi. Amaldiçoei meus amigos por quererem ficar em Miami em vez de Washington. E estávamos com uma fome! Nossa única comida do dia foi o café da manhã às 10 horas e um sorvete ao meio dia. 

Sem almoço, com sono, salgados, suados, com areia em algumas partes, um pouco sujos, cansados e estressadíssimos. Aquele era apenas o primeiro dia das minhas férias. Rush! O primeiro rush verdadeiro da minha vida. Faltava meia hora para chegar ao aeroporto e ainda estávamos presos no engarrafamento a uma milha de distância. Parecia que perderíamos o voo. Era o último voo do dia para Washington. Outro só no dia seguinte. Não havia mais voos para Nova Orleans. Teríamos que dormir em Miami. Não conseguia pensar em horror maior. 

A negona motorista com unhas imensas pintadas de lilás parecia imune ao meu sofrimento. Meus amigos traziam a angústia estampada no rosto. O trânsito parecia morto. O ônibus não andava, os minutos não paravam de andar. Algum anjo deve ter feito algum milagre pois o engarrafamento, subitamente, desapareceu. A negona motorista de lentes de contato verdes acelerou. Talvez devido às duas moças americanas que também estavam no ônibus e iriam pegar, coincidentemente, o mesmo voo que a gente. 

Como toda tragédia que se preza, essa não acabou assim tão fácil. O que aconteceu ali não sucedeu comigo em qualquer outro lugar em minha vida e aconteceu exatamente em Miami: logo após o engarrafamento desaparecer, o ônibus quebrou! Poderia escrever os e-mails dos colegas que estavam comigo no ônibus para qualquer dúvida ser esclarecida, mas, infelizmente, os dois não dirigem mais a palavra a mim, nem a eles mesmos, diga-se de passagem. Também não tenho o endereço das duas americanas e nem o nome da motorista black power. Parece mentira. Em minha vida inteira nenhum ônibus que peguei nunca havia quebrado. Em lugar algum do mundo em que peguei ônibus o desgraçado quebrou (exceto o ônibus que rolou uma ribanceira comigo dentro em Goiás matando um passageiro e ferindo outros em 1987). 

Pois o desgraçado do ônibus quebrou em Miami com a gente dentro e faltando 20 minutos para o voo, meia milha distante do aeroporto e após o maldito engarrafamento. As meninas americanas e nós três cercamos a negona de colares de pérolas falsas que sacou um celular e ligou para a central. Ela nos disse: "I am doing my best!" Parecia chocada, pois acredito que ela nunca vira um ônibus quebrar em pleno trânsito. 

Só que o "best" dela não estava funcionando. Não ia dar tempo de esperar o ônibus reserva. A negona suada sentiu a nossa dor e disse: "Ok, I will try!" E o ônibus foi sendo levado por ela aos solavancos. A gente tinha já perdido toda esperança. O aeroporto apareceu à nossa frente mas ainda estava longe. A negona, irritada, chegou a dirigir quase 300 metros aos trancos quando o ônibus quebrou de vez. 

Então ela rugiu algo como: “Corram seus bastardos!”  E a gente nem pestanejou. Saltamos do ônibus no meio do trânsito. Corremos feito loucos, nós três e as duas meninas. Só que elas não precisavam pegar as malas no guarda volumes e nós sim. 

Mas onde ficava o maldito guarda volumes? O aeroporto era imenso e havia 3 guarda-volumes. Não tínhamos tempo, nos dividimos e quando um achou o guarda-volumes certo gritou para os outros dois. Faltavam 3 minutos e a moça do guarda-volumes parecia ter tomado valium. Foi o tempo de pegar as malas e subir o elevador. Por sorte, o balcão da United estava exatamente à nossa frente, mas ainda tínhamos que fazer o check in. 

Estávamos cansados, famintos, suados, salgados, sujos e fedendo. As roupas grudadas no corpo, suor frio de medo misturado com o suor do calor terrível de Miami. Daria qualquer coisa por uma coca cola gelada com um Big Mac. Fomos os últimos a entrar no avião. Ao me sentar tive uma crise de riso histérico. Meus amigos se assustaram mas quanto mais eles se envergonhavam, mais eu gargalhava para desabafar e irritá-los ainda mais. Eu sentia o estômago doendo de fome e também pelo riso histérico. 

Foi então que uma aeromoça aproximou-se de mim preocupada e perguntou o que é que eu estava sentindo, eu respondi: Fome! Ela me trouxe um maldito pacote de amendoins e um copo de coca cola. O voo não servia jantar. 

4 comments:

Anonymous said...

Cara, você tem umn talento pra contar histórias...

Cláudio Melo.

Anonymous said...

A-D-O-R-E-I a viagem a MIAME.

É inacreditável!

Unknown said...

MIAME ou MEODEIE 😂😂😂

Victor said...

Kkkkkkkk Que situação! Esse paasseio foi uma saga bíblica com tantos acontecimentos