O genial Nelson Rodrigues era obcecado por família
e pecado. Em todas as suas obras havia uma tara secreta ou uma traição mal
escondida. Em uma das suas famosas frases ele disparava: “Toda família tem um
momento em que começa a apodrecer”.
Lembro-me dessa frase dez vezes por dia ao ouvir
algum Bolsonaro. Como são quatro deles a nos municiar de taras familiares,
passarei um bom tempo com Nelson Rodrigues na mente. Vejamos:
Quando Jair Bolsonaro quis humilhar o presidente da
OAB Felipe Santa Cruz, atacou a memória do seu pai, morto pela ditadura.
Obrigado a se explicar, jogou mais cal na vítima sugerindo que ele foi morto
como represália pelos companheiros, o que equivale a pichá-lo como traidor do
próprio movimento.
O presidente não mudou o script, pecando no quesito
originalidade, já que no luxo não tinha mesmo chance, quando quis ofender a
ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, ao tripudiar da morte do seu pai,
torturado na ditadura.
O “mito”, com um arroubo de sua notória semgracice,
para continuar no terreno familiar, mirou sua automática para o garboso
Emmanuel Macron, presidente da França, ao comparar sua esposa Michele com a
francesa Brigitte. Ah, enquanto Brigitte lecionava teatro e literatura, a avó
de Michelle era presa por tráfico de drogas e sua mãe era investigada por
falsificação de documento.
Sofreram ataques dos Bozos as filhas de Manuela
d’Ávila e Maria do Rosário (a que não merecia estupro por ser feia) e até o
filho de 11 anos da ex-líder do governo Joice Hasselman, que foi às lágrimas há
poucos dias em plena tribuna da Câmara dos Deputados.
O patrão de Sérgio Moro estava recentemente
agraciando bolsominions com sua presença na porta do Palácio da Alvorada quando
o ciclista Lemuel Simis indagou: “Onde está Queiroz?”, recebendo em resposta,
com a notória nonchalance de miliciano: “Está com sua mãe”!
Vejamos quantas famílias estão envolvidas nessa
equação. Temos o presidente e seu filho Flávio, que empregava Queiroz no
gabinete; o ciclista e sua mãe, jogada na fogueira inesperada; além do próprio
Queiroz que emplacou a familharada em gabinetes, entre eles o ex-marido da sua
atual mulher. Tá ficando complicado de acompanhar?
E não podemos esquecer que o senador Flávio
Bolsonaro empregou a mãe e a esposa de Adriano Nóbrega, chefe foragido da
milícia do Rio suspeito do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Ainda continuando na parentalha, sobraram cargos de
confiança nos gabinetes da Família Bozo para doze parentes de Ana Cristina,
ex-mulher do presidente e mãe de seu filho mais novo, Jair Renan.
Ana, mãe de Jairzinho (que namorou a filha do
assassino de Marielle, só por acaso), foi nomeada por Carlucho em seu gabinete
na Câmara de Vereadores do Rio. Houve vaga para o pai e a irmã de Ana, três
primos e quatro tios. Dados públicos revelam 102 pessoas com parentesco
naqueles gabinetes de 32 famílias. Quantas famílias nós já listamos até aqui?
Tem mais. Volto ao ciclista que perguntou por
Queiroz. Irritado com a pergunta, um
apoiador do presidente o ameaçou no ato: “Tenho um filho de 30 anos que se te
pega, te corta em cinco”. É impressionante como metem filhos e mães nas
histórias sem pestanejar.
Segundo o velho "doktor" Freud, no seu conceito do retorno do recalcado, há mecanismo psíquicos nos quais os conteúdos
recalcados ou expulsos da consciência reaparecem constantemente de modo deformado como fantasias e pulsões, que resultam de uma espécie de negociação entre a instância psíquica repressora
e as representações reprimidas.
Apenas quem tem um apreço mórbido e freudianamente recalcado pela própria
família, como nas “famiglias” da máfia napolitana, a Camorra, e sua “omertà” ou código de silêncio, consegue se empenhar tanto em ofender famílias alheias, uma representação fantasiosa da própria neurose interna familiar.
De várias maneiras, nos lembraremos dessa infeliz e
terrível família no futuro como algo original ao seu próprio modo. Afinal, como
disse Tolstói, em sua célebre obra Anna Karenina. “Todas as famílias felizes se
parecem. Mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.
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