De
novo bati ponto na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como faço há 16
anos seguidos, e onde encontro uma gente muito estranha, que se diverte passando
horas esquematizando todas as inúmeras possibilidades de assistir à maior quantidade possível de filmes, entre mais de 300 produções de 67 países.
Todo
ano é a mesma loucura. As mesmas pessoas se deslocam de diferentes partes do país para São Paulo e enfrentam uma alucinada maratona, correndo de um cinema para
outro, engolindo almoços e lanches cronometrados e bebendo baldes
de café para seguir acordado.
Mais um ano consegui comprar o passaporte para assistir a 40 filmes mas sempre me vejo conversando
com diferentes pessoas para saber quais, nas suas opiniões, os melhores filmes
vistos. E toda vez me vejo me perguntando onde foi que errei, pois as pessoas sempre
dizem que os melhores filmes foram exatamente aqueles que selecionei para perder ou perdi por optar por concorrentes no mesmo
horário. Mas houve filme para todos os gostos, incluindo um chinês com 9 horas
de duração e que foi exibida não sei para quem.
Este
ano, a Mostra teve a excelente iniciativa de criar um aplicativo para celulares
que permitia ao credenciado reservar os filmes a que queria assistir
com 4 dias de antecedência, evitando o trabalho de se deslocar até a
Central da Mostra, na Avenida Paulista, e enfrentar filas para retirar os ingressos
dos seus filmes com 3 dias de antecedência. Também, pelo mesmo
aplicativo, podia-se desistir da reserva até a véspera sem perder o
crédito. Se o aplicativo não funcionou 100%, não se deve julgar com muita
severidade os idealizadores, pois foi o primeiro ano em que ele foi utilizado.
Para mim, só facilitou a vida e não tive qualquer problema.
Como
quase sempre acontece, os premiados deste ano ou eu não concordei com a escolha
(como o Prêmio do Público para Melhor Filme Brasileiro de Ficção e o Prêmio da
ABRACCINE de Melhor Filme Brasileiro de Diretor Estreante, que foram para o
fraquíssimo “Meio Irmão”), ou então eu não assisti aos outros filmes premiados por critério pessoal ou choque entre filmes, como foi o caso dos demais
premiados:
1-Prêmios do Júri de Melhor Filme para novos diretores e do Público de melhor
Documentário Internacional: “Las Sandinistas!”;
2- Menção Honrosa do Júri para o brasileiro “Sócrates”;
3- Prêmio do Público para Melhor Ficção Internacional para o libanês “Carfanaum”;
4- Prêmio do Público para Melhor Documentário Brasileiro: “Torre
das Donzelas”;
5- Prêmio da Crítica de Melhor Filme Internacional:“Nuestro Tempo”;
6- Prêmio da Crítica de Melhor Filme Brasileiro: “Todas as Canções de
Amor”.
Esse
ano, acabei dormindo demais ou de menos e perdi dois dos filmes a que tinha
direito por conta do passaporte e, ao final, foram 38 vistos. Aqui vai minha
avaliação e cotações.
CULPA
– A maior surpresa e talvez o melhor filme da Mostra, na minha opinião. Rodado em uma sala, com uma única locação e sustentado no
excelente roteiro e na atuação do protagonista. O policial Asger Holm trabalha temporariamente atendendo chamadas de emergência numa delegacia da
Dinamarca quando, no final do seu turno e na véspera de um julgamento importante
que definirá seu futuro da polícia, atende a uma ligação de uma mulher
sequestrada. Quando a ligação é desligada repentinamente, começa a busca pela
vítima e pelo seu sequestrador. Com o telefone como sua única ferramenta, Holm entra
numa corrida contra o tempo para salvar essa mulher em perigo. Ele logo
percebe, porém, que está lidando com um crime muito maior do que pensava. A
esposa sequestrada pelo marido com antecedentes criminais, a luta pela guarda
dos filhos, as crianças deixadas sozinhas durante o sequestro em andamento, a
burocracia da polícia dinamarquesa diante da sequência de dramas que se
desenrolam em uma única noite e em tempo real. O suspense fica mais dramático
porque o expectador não vê as vítimas nem os policiais que perseguem o
sequestrador. Tudo se desenrola tendo como único recurso narrativo as vozes dos
personagens pelo telefone e a tentativa desesperada do policial. O
filme tem o mérito adicional de utilizar o som representando uma história
frenética, paralelamente às imagens mostrando um imobilismo forçado e tenso. O
crítico Bruno Carmelo destaca a
capacidade do filme de sugerir imagens sem mostrá-las "o espectador dispõe de
elementos suficientes para imaginar a vítima, seu drama, o interior do carro e
a casa do sequestrador invadida pelos policiais. Retornamos ao cinema como
storytelling, e não como espetáculo: os personagens contam a história ao mesmo
tempo a Asger e ao espectador, que tentam juntos desvendar o crime”
A
GUERRA DE ANNA- Um filme russo muito impactante que conta o drama da pequena
judia Anna, de 6 anos, cuja família inteira foi morta em um extermínio. Única
sobrevivente, ela passa um longo tempo sozinha escondida na chaminé do
escritório de um dos comandantes do 3º Reich. Por dias e noites infindáveis, ela
tem que sobreviver escondida, com fome, sede e frio, aprendendo sozinha a
descobrir estratégias para se livrar das muitas ameaças.
RETABLO-
Uma excelente produção peruana que me surpreendeu. O filme mostra
o trabalho de Segundo, um garoto de 14 anos, ao lado do seu pai artesão nas
montanhas do Peru. Ele está aprendendo a arte do pai que fabrica retábulos,
tradicionais caixas coloridas de variados tamanhos com cenas religiosas e
eventos cotidianos. O menino reverencia o ofício, mas se depara com um chocante
segredo do pai, que acaba por revelar a paisagem profundamente religiosa e conservadora
que o cerca. A forma com que a mãe e a comunidade lidam com a descoberta, o
modo como o próprio garoto se martiriza ao descobrir o segredo do pai e como
ele resolve apesar de tudo exorcizar seus próprios demônios é um achado. O
filme tem uma sequência e uma cena final que são de um requinte invejável.
A
CASA QUE JACK CONSTRUIU – Mais um petardo de Lars von Trier. Cinema lotado em
todas as sessões e gente saindo no meio sem conseguir ver as cenas mais
pesadas. O filme tem no personagem principal um ótimo Matt Dillon, como há muito
não se via, retratando a epítome da falta de empatia. Ele é Jack, um arquiteto e
serial killer perfeccionista e com TOC que a partir de um primeiro assassinato
(de Uma Thurman, sempre ótima) que lhe desperta um enorme prazer, passa a matar dezenas de pessoas ao longo de 12 anos, guardando os corpos num frigorífico. Tempos mais tarde, ele compartilha sua história com o sábio Virgil (Bruno Ganz), em uma jornada rumo ao
inferno, emulando a Divina Comédia, em que o poeta Virgílio conduz Dante Alighieri ao inferno. As
cenas de extrema violência são a marca do diretor e ele não deixa por menos e
segue os passos de O Anticristo, dentre outros. Trier segue o esquema de
Ninfomaníaca, em que uma viciada em sexo narra suas histórias para um ouvinte.
Aqui, um viciado em matar faz o mesmo, mas ele não busca nem receberá qualquer redenção.
A
FAVORITA – Uma produção caprichadíssima, com locações impactantes em castelos
luxuosos e imensos cômodos decorados suntuosamente com madeiras nobres que
fazem os personagens parecerem minúsculos. O filme conta com três grandes atrizes, num duelo de atuações nos papéis principais. No início do século 18, a
Inglaterra está em guerra com a França. A frágil rainha Anne (Olivia Colman,
vencedora do Grande Prêmio Especial do Júri e da Copa Volpi de Melhor Atriz do
Festival de Veneza), tem na sua amiga íntima e parceira de cama Lady Sarah
Churchill (Rachel Weisz), a verdadeira governante da Inglaterra. Até que chega à
corte a ambiciosa serva Abigail (Emma Stone) que se aproxima da monarca e rouba
a velha amizade despertando a ira de Lady Sarah. A ambiciosa Abigail fará de
tudo para conseguir seus objetivos não importa o preço a pagar.
JOSÉ -
O filme venceu o prêmio Leão Queer no Festival de Veneza. O personagem título
tem 19 anos e vive com a mãe na Guatemala, um dos dez países mais religiosos,
pobres e perigosos do mundo. Mãe e filho levam uma vida difícil: ela se divide
entre a igreja e o trabalho como vendedora de sanduíches, enquanto o rapaz
enfrenta uma rotina de ônibus lotados e encontros amorosos rápidos e casuais em quartos
sórdidos com outros rapazes que conhece em aplicativo de paquera. Ao conhecer o
jovem Luis, surge uma paixão que irá complicar sua vida. José precisa decidir como seguir adiante, lidando com a religiosidade de uma mãe
que em parte depende dele ou viver esse amor proibido. A
vitória do filme no festival de Veneza coincide com o momento em que o
parlamento guatemalteco discute um projeto de lei que proíbe o aborto, mas
também o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
SELVAGEM-
Leo é um jovem de 22 anos que ganha dinheiro fazendo sexo com outros homens.
Sensível, ele observa os clientes irem e virem, sem saber o que esperar do
futuro. Ao contrário dos demais, ele se apega, quer um pouco de afeto. Entre
programas e baladas, ele conhece Ahd, também michê, e precisa lidar com um
sentimento não correspondido. O filme é cru e nem um pouco condescendente,
mostrando a verdadeira natureza da vida dos michês sem qualquer glamour. O
personagem principal segue uma trajetória descendente, padecendo de doenças fruto da vida sem conforto,
alimentação adequada e afeto. Há uma cena bela e tocante em que ao ser
examinado por uma médica, instintivamente Leo a abraça. Ele se submete a uma variedade assustadora de fetiches
para obter carinho e dinheiro, dorme pelas ruas, bebe água da sarjeta e ferindo
um dos códigos da prostituição, beija os clientes na boca. Como diz o crítico Bruno Carmelo, Léo sofre
duplamente quando encontra clientes agressivos demais, para quem o sexo é um
instrumento de poder. “A prostituição, como qualquer serviço, depende de uma
diferença de posição entre ambos os lados – uma oferta e uma demanda -, mas o
personagem acredita na possibilidade de amar a todos, e a qualquer um, numa
utopia tão sexualmente voraz quanto afetivamente utópica...Ele serve como
exceção que confirma a regra, o contraexemplo de uma figura que transborda de
amores numa era de cínicos e individualistas”.
O
ANJO- Filme argentino coproduzido por Pedro Almodóvar e com o ator Chino Darin
(filho do icônico Ricardo Darin) no elenco. Baseado na história real de
Carlos Robledo Puch (que ficou preso por 45 anos), o filme acompanha sua vida
de crimes desde que era o belo adolescente Carlitos, que, em 1971, fazia
sucesso com seus cabelos loiros e um verdadeiro talento para cometer crimes. Ao
lado do amigo Ramon (Darin), com quem tem um envolvimento semi-homoerótico,
embarca em uma jornada de descobertas, amor e crime. Matar é apenas um
desdobramento aleatório da violência, que aumenta em uma escalada contínua. Por
causa de sua aparência delicada, Carlitos passa a ser conhecido como "O
Anjo da Morte". O filme explora bem a aparência delicada de Carlitos, seu
corpo sem pelos e imberbe, os lábios sedutores e a libido pouco contida em
contraste com o desejo de roubar e se apoderar do máximo de experiências e bens
possíveis. A sequência de início de final do protagonista dançando com uma arma
apontada para a câmera é tão sedutora quanto amoral e por isso ameaçadora
enquanto metáfora.
AMOR
ATÉ ÀS CINZAS – O diretor chinês Jia Zhang-Ke tem no seu curriculum filmes
elogiadíssimos pela crítica e super premiados como Pickpocket, Plataforma,
Still Life, Um Toque de Pecado, O Mundo, Cry me a River e Memórias de Xangai. Aqui, ele conta a história de Qiao uma jovem apaixonada por um mafioso provincial. Em uma
briga de gangues rivais, ela dispara uma arma para protegê-lo e acaba ficando
cinco anos na prisão. Após sair da cadeia, procura pelo amor que a
abandonou na prisão e jamais a visitou, tentando retomar o tempo perdido. O
diretor mantém a maestria dos filmes anteriores, com grandes planos abertos
reforçando através das imagens a natureza mesquinha dos personagens,
emoldurando assim os diálogos que já registram brilhantemente os desajustes
humanos. Mais uma vez aqui temos o toque de um mestre que sabe como poucos
contar uma história.
A
ROTA SELVAGEM - Charley é um garoto de 15 anos que sonha com estabilidade.
Filho de um pai solteiro boêmio, mudam-se de cidade com frequência. Quando se estabelecem no Oregon, o rapaz consegue um emprego de
assistente de treinador de cavalos de corridas, onde se encanta pelo velho
cavalo Lean-on-Pete. Ao descobrir que a vida do animal está em risco por ter
terminado sua utilidade nos páreos, ele decide tomar medidas extremas para
salvar esse novo amigo. O adolescente segue uma jornada de
descobertas e privações ao lado do animal ao tempo em que cresce como ser
humano, desenvolvendo uma casca protetora. Muito envolvente, principalmente
levando em conta que o garoto tem um talento natural exatamente na corrida,
enquanto o animal está no fim da carreira como quarto de milha. Uma
história de valentia e persistência além de um belo road movie para além da
clássica história do menino e seu cavalo. Atuam como coadjuvantes de luxo Chloë
Sevigny e Steve Buscemi.
VIDA
SELVAGEM – Uma combinação excelente dos atores Jake Gyllenhaal (O Segredo de
Brokeback Mountain, O Abutre, Zodíaco, entre outros) e Carey Mulligan (Shame e O Grande Gatsby)
sob a direção do ator Paul Dano estreando na função mas conhecido por premiadas
em filmes como A Pequena Miss Sunshine, 12 Anos de Escravidão e Sangue Negro.
Aqui temos a história do adolescente Joe, de 14 anos, filho único do casal. Eles vivem em uma pequena cidade próxima às florestas de Montana
nos anos 1960. Em um dos muitos incêndios que ocorrem com frequência, o pai
Jerry, desempregado, decide se juntar ao combate contra o incêndio, deixando
esposa e filho sozinhos. Forçado a assumir o papel de adulto, Joe testemunha os
esforços de sua mãe, enquanto ela tenta tocar a vida em frente. O diretor dá
espaço para os silêncios no lugar dos diálogos que os personagens resistem em
travar e os espaços amplos em contraste com a prisão de um casamento e de uma
casa opressivos. Todo o filme é visto sob a perspectiva do jovem Joe com seu
olhar perdido e sua busca de unir as duas partes de um casamento que não mais
se aguenta em pé.
PIEDADE
– Um excelente filme grego de um cinismo quase cômico. A história de um homem
de meia idade que mora com o filho adolescente em uma casa de classe média
alta. Ele é saudável e aparenta ter uma vida normal, mas sua esposa está em
coma após um acidente. O filme segue os passos desse homem, alguém que se sente
feliz apenas quando está infeliz. Viciado em tristeza, o personagem tem uma
necessidade tão grande por piedade que faz de tudo para evocar esse sentimento
nos outros. É a vida de um homem em um mundo que não parece cruel o
bastante para ele.
NOITE SILENCIOSA- Filme polonês. Adam, um jovem
economista, descobre que sua namorada está grávida e decide mudar de vida. O
rapaz quer sair da Polônia para sempre com ela e abrir um negócio na Holanda. Para fazer isso, ele retorna à sua cidade natal para tentar
convencer seus parentes a vender o terreno que é a única propriedade da
família. Durante o jantar de Natal, Adam se dá conta de que o preço que pagará
para seu sonho se concretizar será muito mais alto do que imaginava. E que,
aparentemente, quando se trata de família, as coisas são bem mais bonitas nas
fotos do que na realidade.
OS
RELATÓRIOS SOBRE SARAH E SALEEM – Filme palestino que mostra a relação de Sarah, judia e dona de um café em Jerusalém
Ocidental e casada com um militar judeu e Saleem, palestino também casado que
vive na parte oriental da cidade e trabalha como entregador. Eles se apaixonam e
vivem uma relação que ameaça as estabilidade das famílias. Uma noite, em um encontro às
escondidas, eles são descobertos e a trama ganha dimensões políticas, vindo à tona um relatório falso sobre o uso das informações supostamente
obtidas pelo palestino da relação com a esposa do militar israelense. O filme
venceu o Prêmio do Público e do Prêmio Especial do Júri de Melhor Roteiro no
Festival de Rotterdam.
INIMIGOS
ÍNTIMOS- Um filme policial francês, o que normalmente não me agrada, mas que me surpreendeu positivamente. Conta a história de dois amigos de infância de famílias marroquinas, que nasceram e foram criados na periferia de Paris dominada pelo narcotráfico. Apesar de
serem como irmãos, já adultos, seguiram caminho opostos, um abraçou o crime
e o outro tornou-se policial. Os dois precisam, a partir de determinado negócio que
deu errado para ambos, se reencontrar para lidar com os inimigos comuns,
precisam um do outro para sobreviver. Com todos os ressentimentos do passado, renovam laços em torno da única coisa que ainda têm em comum: o
compromisso com o lugar de sua infância. Após muitas mortes, vinganças e
traições, um final doloroso e adequado ao espírito e à atmosfera
do ambiente.
A
PLANTAÇÃO DE LARANJAS- Belo filme iraniano, como é frequente na maioria das produções daquele país. Aban
é uma mulher de 45 anos que gerencia uma fazenda de laranjas. Ela tem
que lutar contra a desconfiança e o machismo já que uma mulher independente é
uma ameaça aos homens iranianos. Ela lidera uma equipe só de mulheres em
trabalho temporário na sua colheita (as mulheres precisam de autorização dos
maridos para trabalha). O objetivo é vencer seu competidor, um fazendeiro que tem uma história antiga de rixa com ela e
que não hesita em chantagear as trabalhadoras, boicotar o trabalho de
Aban e roubar-lhe a colheita. Ela hipoteca sua casa e seu galpão para entregar a colheita a tempo de honrar um grande contrato. Sua
resiliência é invejável e a briga prova a capacidade de cada um de lidar com problemas de toda ordem.
INFILTRADO
NA KLAN – Uma comédia séria, um paradoxo típico do cineasta Spike Lee que
mostra, nos anos 70 nos EUA as convulsões
sociais e a luta pelos direitos civis através da história de Ron Stallworth, primeiro
detetive negro na Polícia de Colorado Springs. Após ser recebido
com hostilidade pelos colegas, Stallworth propõe aos chefes infiltrar-se na Ku
Klux Klan e expor o grupo. Para isso, ele conta com a ajuda do colega judeu, outro grupo discriminado pelos supremacistas brancos da organização. O filme
venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e na sessão em que
assisti, no dia seguinte à eleição de Jair Bolsonaro, ao final, quando
são mostradas cenas de intolerância racial nos EUA com um carro atropelando várias pessoas e matando uma delas nos
conflitos de Charloteville e o discurso patético de Donald Trump, todo o cinema começou a aplaudir o filme e a gritar
“Ele Não”, “Bolsonaro Nunca”, um desabafo dramático e com
gosto amargo de fato consumado pois a eleição tinha sido no dia anterior.
EM
CHAMAS – Filme sul coreano e representante do país na disputa do
Oscar de filme estrangeiro e baseado no conto Queimar Celeiros, do ultra
badalado escritor japonês Haruki Murakami. Jongsu é um jovem entregador que
reencontra uma garota que já morou em sua vizinhança. Ele aceita o pedido dela para cuidar do seu gato enquanto ela estiver na África. Na volta, ela
apresenta Jongsu a Ben, um jovem rico e enigmático (papel de Steven Yeun, o
Glenn de The Walking Dead) que conheceu na viagem. Um dia, Ben conta
a Jongsu sobre seu hobby mais incomum e a partir daí o filme segue novo rumo numa tensão crescente em que o espectador é mantido todo o tempo em suspense
até o final catártico que fecha o filme com uma imagem impactante e
inesquecível. De acordo com a crítica de
Bruno Carmelo, "o fator mais excepcional do filme se encontra na
capacidade de sugerir, cena após cena, que algo gravíssimo aconteceu no
passado, ou está prestes a acontecer a qualquer momento".
PODRES DE RICOS- Produção hollywoodiana baseada no
best-seller "Asiáticos Podres de Ricos". O filme já faturou mais de 230 milhões de dólares, tendo custado meros 30 milhões. Toda a equipe e o elenco é de origem asiática e conta a história de uma nova-iorquina descendente de chineses que viaja para a
Ásia pela primeira vez para acompanhar o namorado a Singapura, onde descobre que
o moço é herdeiro da família mais rica do país e tem que lidar com a sogra
tirana que a desaprova. Apesar de ser uma comédia que acaba por repetir os
clichês do gênero, não deixa de ser muito divertida e ainda tem o luxo
dos lindos cenários de Singapura e trilha sonora excelente. Um crítico chamou a atenção para a inversão
de estereótipos atribuídos a asiáticos e como é divertido ouvir falas como: "Tem muita gente passando fome nos Estados Unidos, você quer ficar igual a
ela?".
O BATERISTA E O GOLEIRO – Filme irlandês. O
baterista Gabriel sofre de bipolaridade e depressão após a morte da mãe. Depois de um incidente provocado por ele, é forçado a fazer terapia numa clínica onde
começa uma improvável amizade com o adolescente Christopher, diagnosticado com
Asperger e que tem obsessão por ser goleiro. Apesar
de ambos não serem destaques nem em uma banda nem em um time de futebol,
têm funções essenciais ao andamento da harmonia e à solidez de uma equipe. O vínculo
que inicialmente é rechaçado pelo baterista, aos poucos vai revelando como um
pode ser útil para o outro já que são absolutamente complementares, pois se um
tem grande dificuldade para controlar os impulsos, mas é naturalmente
conhecedor da natureza humana, o outro tem grande dificuldade para entender as
pessoas mas é expert em controle. Um filme edificante e com muita ternura, com
uma mensagem de tolerância e amizade.
PEDRO E INÊS- Filme português inspirado na
conhecida história de Pedro I e Inês de Castro, quado o monarca entrona a amada morta por seus inimigos. O filme apresenta Pedro, um
homem internado num hospital psiquiátrico por viajar de carro com o cadáver da
sua amada Inês. A narrativa
recorda, simultaneamente, as vidas de Pedro de Portugal, na Idade Média, Pedro
Bravo, no presente, e Pedro Rey, em um futuro distópico. As três histórias são
contadas intercaladas e com os mesmos atores interpretando os mesmos papeis nas
três diferentes narrativas
303 – A estudante de biologia Jule descobre que
está grávida e parte de Berlim para Portugal a bordo de uma antiga van
303 para contar pessoalmente a novidade ao namorado. No caminho, ela dá carona
a Jan, um rapaz que estuda ciências políticas e está indo à Espanha para conhecer seu pai biológico. Enquanto viajam, suas conversas se
tornam cada vez mais pessoais e íntimas. Após vários desentendimentos, eles
descobrem que têm opiniões muito diferentes sobre quase tudo, mas não se cansam
de conversar, desfrutar da viagem e as belas paisagens da Alemanha, França
Espanha e Portugal. O filme tem diálogos muito inteligentes, excelente trilha
sonora e bela fotografia e um crescendo de intimidade e romance vai deixando o filme cada vez mais bonito e suave.
VERMELHO SOL-
Nos anos 70, um desconhecido chega a uma pacata cidade argentina. Em um
restaurante, sem qualquer motivo, ele começa a insultar um renomado
advogado local. As pessoas o expulsam o estranho que decide se
vingar do advogado que toma um caminho sem retorno que envolve
mortes e segredos. O filme indiretamente fala da ditadura argentina e como o
ambiente do país levou ao arbítrio. Lembra a maneira com que o
diretor Michael Haneke tratou seu “A Fita Branca”, ganhador da Palma de Ouro e
do Oscar de Filme Estrangeiro.
O CAMINHO NÃO TOMADO- Produção chinesa que conta a
história de um homem que toma conta de uma decadente fazenda de avestruzes. Ele
quer a qualquer preço reconquistar sua ex-mulher, que vive outro relacionamento. Um dia, um homem a quem ele deve dinheiro pede para ele
cuidar de um menino que ele suspeita ter sido sequestrado. Ele embarca em uma
viagem pelo deserto com a criança. As coisas tomam rumos perigosos quando
o homem decide a princípio proteger a criança dos sequestradores, mas em seguida
imagina que ele próprio pode ficar com o dinheiro do sequestro para
reconquistar a ex-mulher. A relação com a criança, a princípio fria, se torna
cada vez mais complexa, alternando o desafeto e a ternura.
SEQUESTRO RELÂMPAGO - Uma boa produção brasileira.
Confiei no instinto de ser uma direção da ótima Tata Amaral e acertei.
Marina Ruy Barbosa faz uma jovem vítima de um sequestro
relâmpago. Seus sequestradores são inexperientes: Matheus e
Japonês (o ator global Daniel Rocha) descobrem que não há tempo para sacar o dinheiro nos caixas eletrônicos e decidem ficar com a moça até que amanheça. O nervosismo e os conflitos entre os três ficam à
flor da pele. Há uma disputa por liderança e Isabel tenta tranquiliza-los
enquanto ao mesmo tempo tenta achar um modo de fugir, tentando também jogar um contra o outro e assumir
algum protagonismo, usando da psicologia, uma tarefa quase impossível para
quem não sabe usar uma arma e contra bandidos que não têm nada a perder.
LA QUIETUD – O diretor argentino Pablo Trapero
estava presente no dia em que vi este filme e o apresentou à plateia da Mostra.
Confesso que já vi filmes melhores do diretor, como Do Outro Lado da Lei,
Família Rodante, Nascido e Criado,
Leonera, Abutres e O Clã (que lhe deu o Prêmio de Melhor Diretor em Veneza) mas
também vi filmes seus piores, como Elefante Branco. Aqui, Eugênia (a belíssima Berenice
Bejo, de O Artista) retorna da França após longa ausência para Buenos Aires
após o derrame do pai. Em La Quietud, propriedade rural da família, ela se
reúne com a mãe e a irmã. As três mulheres são forçadas a confrontar os traumas
emocionais do passado, que se desenrolaram em meio à ditadura militar. Segredos
há muito enterrados ressurgem, amplificados pela inquietante semelhança física
entre as duas irmãs com diversas insinuações de incesto. A atriz Martina
Gusman, que interpreta a irmã Mia, é esposa do diretor na vida real.
THUNDER ROAD – Um filme que é uma pequena joia. Não
consegui enquadrá-lo em nenhuma categoria, parece uma comédia com pitadas de
humor negro, mas também não sei se é isso. Gostei bastante do ator Jim Cummings
que faz o papel de Jimmy Arnaud, um policial atrapalhado de uma pequena cidade
texana, que luta para lidar com a morte da mãe, o divórcio iminente, a rebeldia da filha
adolescente e sua própria falta de noção. Ele aparentemente tem algum grau de
autismo ou bipolaridade. O filme foi o vencedor do Grande Prêmio do Júri do
festival South by Southwest e trata-se de um projeto pessoal do próprio Jim Cummings que além
do papel principal, fez o roteiro, direção, música e montagem.
OPERAÇÃO OVERLORD – Na véspera do Dia D da 2ª
Guerra Mundial, paraquedistas americanos são deixados atrás das linhas inimigas
com uma missão crucial para o sucesso da invasão da Normandia que daria fim à
grande guerra. No solo francês, numa vila ocupada pelos alemães, eles descobrem
que precisam luta contra seres monstruosos, resultados de um experimento
nazista. Muito sangue e tiroteio, muitas mortes e massacres são marcas
registradas do produtor J. J. Abrams.
A
TERCEIRA ESPOSA – Um filme vietnamita do qual eu esperava bem mais. May é uma menina de 14 anos que vive em
uma área rural do Vietnã, no fim do século 19 e sua muda quando ela
se torna a terceira esposa de um rico dono de terras. Na nova casa, May é
favorecida e bem tratada e logo engravida — na esperança de dar ao marido um
herdeiro homem. Mas, após testemunhar um encontro romântico proibido, a jovem
encara uma série de infortúnios, que farão com que uma transformação, até então
adormecida, aflore. Concordo com o crítico que lamenta que o olhar essencialmente descritivo da diretora, até mesmo por ser mulher, mostre as mulheres apenas por fora, sem subjetividades e sem investigar o modo como enxergam o mundo sob seu ponto de vista. O filme objetifica o que já é objetificado.
SEM
AMOR- Filme americano apenas bonitinho que conta a história de Joy, uma jovem com profundo vazio na alma e que busca preencher
com sexo desenfreado e relacionamentos que se tornam fugazes. Com grandes
problemas decorrentes disso (falta de emprego e teto), ela busca ajuda numa terapia para viciados em sexo, ela encontra apoio em Maddie que lhe propõe abstinência de um mês e a
casa de hóspede da sua velha mãe que é cuidada por Jim, seu recluso e problemático irmão. Essa dupla aparentemente impossível pode fazer as coisas começarem a
mudar para ambos quando descobrem que além das dificuldades comuns com as pessoas (ele se liga de menos e ela, demais) têm também interesses
comuns como a música.
GUTLAND-
Uma produção de Luxemburgo, coisa rara, que mostra um homem com um passado misterioso chegando a uma vila apenas com
uma mala. Os habitantes do local desconfiam do
forasteiro mas acabam por integrá-lo no povoado. Aos poucos, fica claro que não apenas ele
esconde um passado sombrio como algo sinistro está encoberto sob a superfície
imaculada desse pequeno e pitoresco mundo. A
história de um forasteiro chegando numa nova cidade sempre rende ótimos
enredos, como foi visto desde Teorema, de Pasolini até Dogville, de Lars von
Trier.
DE
PAI PARA FILHO- Um homem de 60 anos
descobre que tem uma grave doença mas em vez de buscar tratamento, decide ir ao
Japão para procurar seu pai que o abandonou com dez anos. Ao mesmo tempo, um
jovem rapaz de Hong Kong, que de alguma maneira é relacionado a este passado,
surge em Taiwan e assim, começam duas jornadas de reconciliação. Destaque para a bela fotografia
AQUI- Filme iraniano arrastadíssimo e que nem
sequer poderia dizer ter um fiapo de roteiro. Normalmente gosto dos filmes iranianos e não costumo ter problemas com ritmo lento mas esse é de doer. Conta a história de um velho que vive
isolado nas montanhas e que tenta salvar a vida do filho marcado para
morrer. Ele acaba tendo que levar o corpo do filho para ser batizado nos rios
da montanha e cuidar do neto. Não tem sequer um diálogo, mas apenas o velho
gritando o nome do filho nas montanhas.
SAL - Uma
produção da Colômbia que não me agradou muito. Heraldo sofre um acidente de
moto durante uma viagem pelo deserto na tentativa de encontrar um pai
misterioso. Ele é encontrado ferido por um casal que vive no deserto e que o
trata aplicando sal em suas feridas e o alimentam com cacto. À medida que
melhora, Heraldo revela uma alma em conflito. Ele precisa resolver seu tormento
para poder voltar à jornada. Ainda estou tentando entender qual a mensagem que transcende a história.
ELEMENTO DE UM CRIME- Um dos poucos filmes da
Mostra que não era um lançamento. Um noir
dirigido por Lars von Trier e seu primeiro longa, de 1984, que foi
vencedor do Grande Prêmio Técnico no Festival de Cannes daquele ano. Para mim
um filme muito confuso e no qual dormi mais da metade do tempo O filme é arrastado mesmo. A história de um tal de Fisher
que retorna traumatizado e com poucas lembranças ao Cairo depois de liderar a
investigação de um assassinato na Europa. Obcecado, procura um terapeuta que,
sob hipnose, faz voltar suas memórias. O filme foge quase completamente do
estilo adotado por Lars von Trier ao longo da sua carreira que se seguiu a este primeiro
longa.
A HISTÓRIA DA PEDRA- Filme de Taiwan que considerei
um dos piores da Mostra. Diz a sinopse: "O filme acompanha um grupo de gays dentro e ao redor de um bar local que culmina em mágoas, desespero e
tragédia. Em meio ao caos de uma cidade obscura, os personagens tentam
encontrar esperança”. Isso até poderia ser um mote para uma boa produção, mas a
direção de atores e os próprios atores são péssimos, as locações são mal
escolhidas, os enquadramentos pouquíssimo inspirados, enfim falta o básico, uma noção
de ritmo e de tempo e até mesmo cenas de transição entre os planos para dar ideia de movimento. Não se sabe como ou porque as
pessoas estão ou chegaram naqueles lugares, suas motivações, seus conflitos são
pueris e falta uma montagem que se possa chamar por este nome. As cenas de
orgias são tão sem graça que garanto que se o diretor deixasse os atores sozinhos com seus corpos seminus eles fariam melhor, sem
uma direção que só deve existir pra atrapalhar. Fraquíssimo.
MEIO IRMÃO- Um filme brasileiro que achei dos mais fracos da Mostra. São tantas falhas básicas que não saberia nem por onde começar, mas parece que o público e o júri não levaram isso em
consideração pois deram dois prêmios à produção. Na sessão em
que assisti estava toda a equipe do filme, atores, diretora, produtor
(que é casado com a diretora) e aparentemente toda a plateia era formada de
amigos do povo do filme já que ingressos eram distribuídos a quem quisesse. Em outras sessões em que o filme passou, reparei que
a turma estava toda ali fazendo campanha. Não sei se isso interferiu no
resultado, mas vi que a campanha foi grande. A história gira em torno do desaparecimento da mãe de
Sandra, uma adolescente com eterno ar de zumbi. Desorientada e sem dinheiro,
ela pede ajuda a seu meio
irmão distante. Ela é branca e ele negro. O rapaz trabalha com gravação de
imagens e por acaso gravou uma agressão homofóbica. Ele tem uma homossexualidade
reprimida e um interesse sexual pelo amigo que foi um dos agredidos. Não
convencem as ameaças pelo whatsapp e o filme parecia um ensaio de grupo amador como a constrangedora cena em que, finalmente, os dois caras se “pegam”, com direito a nu frontal e tudo. Até quando poderia parecer ousado, saiu-se gratuito.
FAMÍLIA SUBMERSA- Filme argentino que se passa
durante um verão em uma Buenos Aires com a cidade vazia e abafada. Após a morte
da irmã de Marcela ela precisa se desfazer dos pertences e do apartamento da
irmã. Nacho, um jovem amigo de sua filha oferece ajuda e isso envolve Marcela
em viagens e aventuras compartilhadas misturando pessoas e fatos de outras
épocas, tudo muito confuso. Marcela se vê em meio a alguns autoquestionamentos
quando sua vida cotidiana entra em ação. Me pareceu muito confuso, talvez
porque dormi durante uma parte do filme e se já não havia um fio de meada para
acompanhar, dormir deve ter tornado tudo muito mais confuso, pois não
sabia mais o que era sonho, delírio, passado ou presente. Talvez tenha que ver
novamente.
2 comments:
Adorei seus comentários. Misturei tudo e fico imaginando como fez para lembrar de cada um dos filmes.
Sensacional! Esta cobertura das mostras SP são surreais. Melhor sao os relatos dos bastidores.
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