28.3.18

ME CHAME PELO SEU NOME

“Se houver dor, cuide dela com carinho


O filme "Me Chame Pelo Seu Nome” foi o vencedor do último Oscar de Roteiro Adaptado, tendo sido ainda indicado a três outras premiações da Academia como melhor filme, ator e canção. Assim que saí do cinema, fui correndo comprar o livro, que devorei em três dias. A obra, que conquistou a comunidade gay, venceu o Lambda Literary Award, maior premiação mundial de ficção LGBT. Ainda embriagado pela atmosfera do romance, dividido minhas fortes impressões.

Não fossem pelas descrições da paradisíaca vila da Riviera italiana, debruçada sobre o Mediterrâneo com suas idílicas tardes de mormaço e aromas de lavandas e pessegueiros, não fosse por uma infinidade de outras experiências sensuais trazidas pela obra do escritor Andre Aciman e dirigida pelo italiano Luca Guadagnino, bastaria o diálogo final entre o ator Timothée Chalamet (um dos mais jovens a serem indicados ao Oscar), no papel do adolescente Elio, e seu pai, o ator Michael  Stuhlbarg, para carimbar a história com a marca de uma catarse em defesa do respeito ao amor.

Diferentemente do filme, o livro é construído com uma narrativa de um Elio mais velho, relembrando um verão no sul da Itália em que, aos 17 anos, conheceu o belíssimo americano Oliver, de 24, hóspede dos seus pais, acadêmicos que habitualmente recebiam estudantes de outros países para temporadas em uma cidadezinha que sabemos apenas que tem a inicial B.

A história é tecida em uma espécie de novelo em que os dois personagens principais se aproximam e se esquivam como em uma corte. Nem o adolescente Elio nem o jovem Oliver são exatamente homossexuais, pois no livro e no filme fica claro que eles têm interesses por mulheres, mas há uma curiosidade imanente, uma busca por uma experiência mais íntima que eles não conseguem evitar e, no caso de Elio, aliada à admiração pela beleza do louro americano, um inegável encantamento pela sua formação erudita, fruto do interesse por temas comuns a pessoas crescidas em meio à atmosfera acadêmica com destaque para música clássica, literatura e artes plásticas.

Estamos em algum momento dos anos 80 e as limitações tecnológicas de comunicação que a época impunha e o isolamento do local em que a história de amor se passa, contribuem para o clima de intimismo que favorece o enlevo. Nesse sentido, a história poderia ser vivida por um casal qualquer, não necessariamente gay. É, na verdade, um hino ao amor. Qualquer amor. Com sabedoria, dizia Guimarães Rosa: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.

No livro, que se estende para além do verão onde os jovens se conhecem, há uma atmosfera de desejo físico, com narrativa de forte sexualidade e luxúria, como na icônica cena do pêssego maduro, enquanto o filme opta por uma sensualidade mais difusa, de menos urgência da satisfação desse mesmo desejo que habita nos protagonistas. Ah sim, o pêssego continua lá.

Há quem torça o nariz e adote um tom moralista para tachar de pedofilia o envolvimento de um rapaz de 17 anos com um jovem de 24. Acho engraçado esse tipo de crítica quando se tratam de dois homens. Lembro, por exemplo, que na clássica película “Houve Uma Vez Um Verão", de 1971, um adolescente de 14 anos se apaixona e se relaciona intimamente com uma mulher mais velha e jamais se fez alusão à pedofilia neste caso.


Talvez o que mesmo tenha incomodado algumas pessoas seja que Me Chame Pelo Seu Nome finalize com uma mensagem positiva em relação ao que resulta de um primeiro amor, ao contrário de outras obras com temática semelhante sobre o amor entre homens com finais trágicos ou tristes, como O Segredo de Brokeback Mountain, Moonlight e tantos outros.

Encerro com o diálogo final entre pai e filho a que me referi no terceiro parágrafo. Qualquer filho que tenha enfrentado uma situação como a de Elio deveria ouvir o que o pai lhe diz: “Vocês tiveram uma amizade linda. Talvez mais que uma amizade. E eu invejo você. A maioria dos pais, se estivesse em meu lugar, torceria para isso tudo acabar, rezaria para seu filho acabar se endireitando. Mas eu não sou um pai assim. Em seu lugar, eu diria: se houver dor, cuide dela com carinho. E, se há uma chama, não a apague. Não seja brutal com ela. Arrancamos tanta coisa de nós mesmos para nos curarmos mais rapidamente das coisas que aos 30 anos já estamos falidos e temos menos a oferecer cada vez que começamos com uma pessoa nova. Mas insensibilizar-se para evitar qualquer dor – que desperdício!”.

4 comments:

Unknown said...

Adorei o texto. Sempre é uma muito boa experiência ler as coisas quê tem você por compartilhar. Vou ver o filme o ler o livro com uma perspectiva diferente :)

AA said...

Tá aí, eis uma resenha que me faz querer não só assistir ao filme, como ler o livro.

Camila Navarro said...

Outro fator que me chamou atenção no roteiro é a ausência de conflitos. Não existem aqui pais conservadores e tiranos, amigas/namoradas ciumentas que tramam planos para prejudicar o protagonista, dramalhões desnecessários e sentimentos opressivos, como é comum em filmes de romances gay. Este filme é um dos melhores do gênero de drama que estreou o ano passado acho que O Conto é o melhor filme de drama. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. Amei o grande elenco do filme, quem fez possível a empatia com os seus personagens em cada uma das situações. Sem dúvida a veria novamente.

Unknown said...

Muito bom, Luis!