1.7.16

2 FILHOS DE FRANCISCO

Parece que para fazer uma análise do filme sobre a vida de Zezé di Camargo & Luciano, o crítico precisa, antes, dizer se gosta ou não de música sertaneja. Se ele gosta do estilo e elogia o filme, parece que não dão muita credibilidade à sua crítica - ora, o homem é fã dos caras... - Mas se o crítico não gosta de música sertaneja nem é fã da dupla, mas gostou do filme, a sua crítica já aparenta começar com mais crédito.

Então, estou em confortável vantagem. Não gosto da dupla. Adorei o filme.

É  impressionante que este seja apenas o filme de estreia de Breno Silveira num longa-metragem. O orçamento de "2 Filhos de Francisco" foi pequeno, se comparado, por exemplo, ao de Carandiru, seu mais forte concorrente em termos de números. Dois Filhos de Francisco esteve por oito semanas consecutivas liderando o ranking de audiência, fato digno de registros em se tratando de um filme nacional. Seu público passou de 4,7 milhões de telespectadores, tendo o filme custado 5,9 milhões. O orçamento de Carandiru foi de 12 milhões e levou mais de 4 milhões de pessoas aos cinemas. “2 Filhos de Francisco” bateu essa marca.

É preciso repetir. Não se trata de um filme caça-níqueis, mas de uma película contando uma história belíssima e tocante. Não é apenas para fãs da dupla, é para quem gosta de um bom drama com aspectos biográficos e contemporâneos, com elementos de uma brasilidade simples e limpa, ingênua e pura, algo que a gente, às vezes, nem se lembra que existe ainda.

O filme tem no ator que faz o papel do pai de Zezé e Luciano um dos seus pontos mais fortes. Ângelo Antônio dá um show de interpretação ao lado da não menos talentosa Dira Paes, no papel da mãe da dupla, Dona Helena. Essa é a velha história do feijão e do sonho que já deu novela e, na verdade, é mesmo um arquétipo recorrente dos contrários que se completam.

O mais interessante é saber que a história toda é real. É tocante ver um agricultor pobre do cerrado goiano, com pouquíssima instrução, tendo a visão profunda de que a educação é um instrumento de libertação e crescimento. Ele constrói uma escola para as crianças pobres da região e se alimenta eternamente de um sonho impossível como diz a música de Chico Buarque “Sonhar mais um sonho impossível/Lutar quando é fácil ceder/.../Não me importa saber/Se é terrível demais/Quantas guerras terei de vencer/Por um pouco de paz.”

E Francisco não desistiu nunca, mesmo travando uma guerra injusta contra a fome, contra a pobreza, contra a ignorância e contra a própria morte de um filho e a paralisia de outro. O destino estendeu várias armadilhas no seu caminho para testar sua esperança. E ele nunca deixou de sonhar, nisso reside o seu valor. E ele o transmitiu aos filhos.

O sonho de Francisco era poder ver dois de seus nove filhos formarem uma dupla sertaneja de sucesso. Um sonho de um homem simples contra um mundo de improbabilidades. A cena em que ele troca toda a produção da sua roça por um acordeão e um violão para os dois filhos é a síntese do embate entre o feijão e o sonho. Ele investe nesse sonho toda a sua energia, era o sonho que o alimentava, não o feijão.

Márcio Kieling e Thiago Mendonça foram escolhas felizes, pois além de se parecerem assustadoramente com a dupla original, não fazem feio. Ainda integram o elenco de feras do porte de Lima Duarte, José Dumont e Paloma Duarte.

O filme foi escolhido para ser o representante do Brasil na disputa da pré-indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro, derrotando 11 concorrentes como Casa de Areia, Meu Tio Matou o Cara, Garrincha, A Dona da História e Contra Todos.


A mensagem que fica é a da frase que começa e termina o filme dita por Zezé di Camargo: “Os outros achavam meu pai sonhador demais, doido demais. Doidos éramos nós. Ele é quem tinha razão”.

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