BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE
Ao assistir a Boyhood, fiquei encantado com a proposta ousada do diretor Richard Linklater (da adorável série: Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-sol e Antes da Meia-Noite) em filmar durante doze anos a vida de um menino, dos 8 aos 15 anos, usando todo o tempo os mesmos atores. Mas quando assisti a Birdman, não teve como Boyhood permanecer no topo da minha admiração.
Na
verdade, com o passar das semanas desde que assisti a Boyhood em outubro do ano
passado, comecei a achar que o filme talvez estivesse sendo incensado demais.
Não entendia bem o porquê, mas o fato de todo mundo estar elogiando tanto o
filme me incomodava. Alguma coisa ele tinha feito de errado para agradar a
tanta gente.
Até que li a primorosa análise de Marcelo Coelho na Folha de São Paulo. Ele já começa o texto lamentando parecer antipático e avisa logo que talvez seja o único, entre todas as pessoas que conhece, que não se entusiasmou tanto pelo filme.
Até que li a primorosa análise de Marcelo Coelho na Folha de São Paulo. Ele já começa o texto lamentando parecer antipático e avisa logo que talvez seja o único, entre todas as pessoas que conhece, que não se entusiasmou tanto pelo filme.
Concordo
com Coelho, Boyhood parece um documentário devido ao seu insuperável tom
hiper-realista. Tal realismo extremo é consequência da própria
biologia: os personagens envelhecem com os atores. A beleza de ser uma ficção
talvez esmaeça diante do tom excessivamente tendendo para o real, uma vez que
esse é um paradoxo: ninguém é tão real assim e a ficção tem sim que dar
um salto além do mero documental.
Boyhood, por mais belo que seja acaba sendo quase um registro comum na vida de um menino americano e isso não basta para construir um personagem. O que ele pensa? Quais são seus planos? Seus medos e dúvidas? O que ele aprende nessa jornada? Não sabemos nada quando o filme começa e ele é uma criança e continuamos sem nada saber após quase três horas e doze anos de filmagens. Como diz Coelho, o garoto é totalmente passivo, apenas o campo de provas para mudanças hormonais.
Tudo bem, Patricia Arquette e Ethan Hawke são dois fofos e o casal de atores que faz seus filhos é outra lindeza, mas desculpe ser estraga prazeres: finalmente encontrei a razão para apenas gostar de Boyhood. É só fofura.
BIRDMAN OU A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA
Já Birdman é feito de outra liga. É cinema de gente grande. É metalinguagem na veia. Não sei nem mesmo por onde começar..Talvez pela direção segura do mexicano Alejandro González Iñárritu, que já provou tudo que precisaria, e muito mais, nos excepcionais Amores Brutos, Babel, 21 Gramas e Biutiful.
Se nos seus extraordinários filmes anteriores Iñárritu já realizava um cinema maduro e autoral, em Birdman ele foge da suas conhecidas estética dramática, narrativa circular e atmosfera desesperançada para, longe da sua zona de conforto, lançar-se em uma comédia com generosas doses de drama e crítica mordaz, não somente à indústria do cinema e do entretenimento, mas a toda a rede de neuroses que envolve as pessoas que se deixam enredar pelo desejo voraz de ser amado, admirado, prestigiado, reconhecido.
Também não sei em que ponto do meu texto louvar a corajosa opção do diretor em realizar um filme inteirinho praticamente em um plano-sequência, com cortes quase imperceptíveis. E como esquecer a trilha sonora arrebatadora, praticamente composta de um onipresente e impactante solo de bateria, com direito ao próprio baterista em cena.
Confesso que o filme só me ganhou pela metade, mas também não
me largou mais. Em certo ponto, eu já estava sorrindo, como um besta, no escuro
do cinema. O diretor me tinha em suas mãos e a partir dali, o filme só foi me
arrebatando mais e quando eu não esperava ainda mais, ele me traz um diálogo
entre uma crítica teatral e o personagem de Michael Keaton que ouso dizer que é
um dos diálogos mais inteligentes e repletos de significados que já vi no cinema.
Como não ir ao delírio com as cenas em que o personagem do personagem (The Birdman, itself) avança filme adentro, mostrando-se a encarnação da neurastenia. Ou a cena de finíssimo sarcasmo em que Keaton se pendura num parapeito e uma mulher pergunta da sacada em frente se aquilo é um filme ou vida real: Keaton responde: um filme. E a graça toda está ali. Trata-se de um filme, afinal de contas.
E como não lembrar que a escolha de Michael Keaton para o papel é, em si, um achado, pois ele é um ator marcado pela sombra de um personagem de um super-herói que ele abandonou (Batman) e que o persegue, como o Birdman (do filme dentro do filme). Uma mistura louca de um superego com um alter-ego. Briga boa. Freud adoraria participar.
Maravilhosa toda a sequência de cuecas pela Broadway. Todas as pessoas que reconhecem o personagem de Keaton, insistem em tirar fotos com ele, mas não com o personagem, mas com o ex-Birdman. Enquanto ele está em uma busca desesperada pelo prestígio que nunca teve, o que todos querem dele é apenas que seja um personagem, um clichê. Como lutar essa luta?
Há uma cena que me encantou profundamente. De uma enorme sutileza e força. Quando um dos atores recita, na rua, como um louco ou um mendigo, o monólogo final de Macbeth, de Shakespeare: “A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa”. Que texto da história do teatro poderia representar mais intensamente o desejo completamente irrealizável de um ator pelo amor do seu público? Qual o simbolismo mais forte do que tanto som e fúria para nada?
E não bastassem tanta maestria que me deixou completamente chapado, percebo em certo momento, que o teatro da Broadway em que os personagens do filme ensaiam e se apresentam é o St. James, onde eu tive o privilégio de assistir, alguns anos atrás, completamente em êxtase, à peça Mary Stuart.
Como não se render a Birdman?
Como não ir ao delírio com as cenas em que o personagem do personagem (The Birdman, itself) avança filme adentro, mostrando-se a encarnação da neurastenia. Ou a cena de finíssimo sarcasmo em que Keaton se pendura num parapeito e uma mulher pergunta da sacada em frente se aquilo é um filme ou vida real: Keaton responde: um filme. E a graça toda está ali. Trata-se de um filme, afinal de contas.
E como não lembrar que a escolha de Michael Keaton para o papel é, em si, um achado, pois ele é um ator marcado pela sombra de um personagem de um super-herói que ele abandonou (Batman) e que o persegue, como o Birdman (do filme dentro do filme). Uma mistura louca de um superego com um alter-ego. Briga boa. Freud adoraria participar.
Maravilhosa toda a sequência de cuecas pela Broadway. Todas as pessoas que reconhecem o personagem de Keaton, insistem em tirar fotos com ele, mas não com o personagem, mas com o ex-Birdman. Enquanto ele está em uma busca desesperada pelo prestígio que nunca teve, o que todos querem dele é apenas que seja um personagem, um clichê. Como lutar essa luta?
Há uma cena que me encantou profundamente. De uma enorme sutileza e força. Quando um dos atores recita, na rua, como um louco ou um mendigo, o monólogo final de Macbeth, de Shakespeare: “A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa”. Que texto da história do teatro poderia representar mais intensamente o desejo completamente irrealizável de um ator pelo amor do seu público? Qual o simbolismo mais forte do que tanto som e fúria para nada?
E não bastassem tanta maestria que me deixou completamente chapado, percebo em certo momento, que o teatro da Broadway em que os personagens do filme ensaiam e se apresentam é o St. James, onde eu tive o privilégio de assistir, alguns anos atrás, completamente em êxtase, à peça Mary Stuart.
Como não se render a Birdman?
3 comments:
Hoje vou assitir aos dois: Birdman e Boyhood, depois deixo aqui minha opinião,
Cara, ótimo texto e concordo completamente com voce !
excelente critica, vou assistir aos dois tambem.
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