Sou fã dos dois diretores. De Lars Von Trier sou macaco de auditório, admirador de todos os seus filmes desde que fui apresentado, em 1991, à experiência única da sua película “Europa”. Não perdi uma única aventura do polêmico cineasta que este ano perdeu a Palma de Ouro de Cannes por conta de sua proverbial língua e do seu imensurável ego, quando bateu boca com jornalistas em torno de uma piada de péssimo gosto envolvendo nazismo. Em sua filmografia, há verdadeiras joias como Ondas do Destino, Os Idiotas, Dançando no Escuro, Dogville, Manderley e Anticristo. Esse longo parágrafo é para dizer como fiquei triste por não ter gostado de Melancolia.
Acontece que Melancolia é resultante de uma crise depressiva na vida do diretor. O crítico e psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha de São Paulo que a personagem Justine, de Kirsten Dunst (a referência à heroína homônima do Marques de Sade não é à toa) sofre de um mal que transborda o próprio sentimento dos melancólicos. Estes, na sua tragédia pessoal, podem até querer acabar com a própria vida, mas nenhum deles concebe, como a Justine de Trier, o fim da “vida” em si. Da existência da espécie humana. E é isso que o diretor parece querer mostrar com o seu ego de um cinismo monumental. “Se não dou a mínima para a humanidade, essa que se exploda”. E para tal, o enorme planeta Melancolia fará o serviço sujo se chocando com a Terra, como um iceberg abalroando o Titanic, e levando embora, num apocalipse hiperbólico, desde Guantánamo até a Capela Sixtina, desde Bangu I e Angra II até o Santo Sudário e a Esfinge de Gizé.
Belas imagens, sem dúvida, abrem a película, como é do feitio do talento inquestionável do diretor dinamarquês. Belíssimos oito minutos de um lirismo tão lindo que quase dói: um comercial do apocalipse em slow motion, como aponta em brilhante artigo o crítico Antônio Gonçalves Filho no Estadão.
Já A Árvore da Vida levou a Palma de Ouro de Cannes, uma premiação bastante questionada pois, entre os críticos, diz-se que o filme não está à altura dos trabalhos anteriores de Malick, como Terra de Ninguém, Cinzas no Paraíso e Além da Linha Vermelha. Fui para sua pré-estreia na sessão para jornalistas no Multiplex.
Se fosse analisá-lo como um todo, diria que não gostei dele. Falo como uma obra integral, apesar de seus pontos positivos, como a excelente cenografia, belíssimas interpretações dos atores (Brad Pitt e Sean Penn sempre excelentes), trilha sonora e fotografias primorosas. Mas vejo isso como um exemplo de que o todo pode ser inferior à soma das partes.
Há alguns anos li um comentário jocoso a respeito do que definiria um “filme de arte”. Isso me pereceu, naquela época, uma gozação infeliz, mas hoje eu concordo com a frase que é a seguinte: “Filme de arte é aquele que acaba de repente!”.
Esse filme é exatamente isso. Em vários momentos, você percebe que ele pode acabar a qualquer momento que isso não faria a menor diferença. E, de fato, ele acaba numa cena igual a várias outras. Muito bonita, mas igual em beleza a todas as outras. Além disso, há muito de uma coisa que costuma se criticar em cinema que é a tal reiteração, aquela inclusão desnecessária de cenas que nada acrescentam ao enredo ou à trama, mas apenas repetem o que já foi dito ou mostrado. Além disso, há uma irritante narrativa sussurrante. Para narrar qualquer coisa tem que ser sussurrando? E o filme também pressupõe que você vá embarcar no questionamento espiritual que ele desenvolve (desenvolve?) sobre Graça e Natureza, a primeira compreendida no sentido filosófico cristão.
A história não é amarrada, mas entremeada de inúmeras cenas plasticamente bonitas e que caberiam melhor em um documentário do National Geographic, imagens grandiloqüentes, do Big Bang, à criação do universo, das águas-vivas, dos dinossauros....Tudo com uma música altíssima emoldurando cada cena com uma grandiosidade que se não era pretensiosa, chegava muito perto disso. O final, com todo mundo numa praia, vivos e mortos, me deixou constrangido pela pieguice e pela breguice.
O filósofo Luiz Felipe Pondé, na Bravo, analisa os dois filmes e identifica na Graça, o encanto e seu conceito, ao lado de Deus, uma das maiores criações da filosofia ocidental. A Graça seria generosa e dá vida enquanto a Natureza é egoísta e escrava da fisiologia. Essa premissa, que julgo algo rasteira, me obriga a me identificar com a crítica de Isabela Boscov na Veja: “O diretor não tem algo menos superficial do que essa dicotomia filosoficamente discutível entre a indiferença da natureza e a generosidade do espírito — como se a espiritualidade humana não fosse, ela própria uma resposta à violência casual da natureza”.
O crítico da Folha Inácio Araújo gostou. Para ele o filme é uma saga familiar contada de forma não-linear, por fragmentos ou estilhaços de vida que se projetam no tempo. Afirma ele: “Esse filme dispensa maior erudição ou esforço intelectual para ser compreendido: ter uma alma já basta”. Pergunto eu: ter compreendido significa ter gostado? Minha alma compreendeu o filme, apesar dos meus esforços intelectuais para não achá-lo pretensioso. Mas, por favor, não exija demais da minha alma.
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