Em 1882 deu-se o primeiro e único encontro entre dois homens memoráveis, dois homens tão diferentes entre si como a água e o vinho e ao mesmo tempo com afinidades que, paradoxalmente, os uniam, como a devoção pela beleza e pela literatura. Falo do escritor irlandês Oscar Wilde e do poeta americano Walt Whitman.
Oscar Wilde era, então, um jovem poeta que causava furor na Europa quando chegou pela primeira vez aos Estados Unidos para uma turnê de palestras. Seu esteticismo já era lendário no continente europeu, mas a América puritana parecia que seria hostil àquele dândi que alegava não estar à altura dos seus objetos de porcelana azul.
Engano. A América adorou Wilde e mimou-o como ele estava acostumado. Na Filadélfia, ele pediu para conhecer o grande Walt Whitman, poeta já velho e famoso, mas que vivia em uma cabana simples.
A elegância refinada do jovem Oscar, com seu sobretudo de veludo verde, contrastava com o barbudo Walt com sua blusa rústica feita pela cunhada. Wilde contou para Whitman que sua mãe lia para ele, na infância, os belos poemas do livro Folhas de Relva, do velho americano.
Whitman, lisonjeado, ofereceu ao visitante uma garrafa de um vinho vagabundo, feito de sabugo de milho. O estóico e o esteta desfrutaram daquele improvável momento etílico enquanto conversaram por horas. Separaram-se, emocionados.
Tempos depois, já em Londres, o elegante Oscar Wilde contou para amigos aquele encontro. Os colegas, conhecendo bem seu gosto refinado e suas exigências para vinhos comentaram como devia ter sido intragável, para ele, beber aquele vinho de sabugo.
Wilde respondeu: “Se aquele homem tivesse me oferecido vinagre, eu beberia com mais prazer do que já bebi o mais fino champanhe”
Lembrei desse encontro de dois dos meus escritores favoritos e, longe de mim me comparar a qualquer um deles, constatei como essa passagem tem uma irônica analogia com a forma como a política se apresentou na minha vida.
Sempre admirei a coragem de Wilde, que dizia: “O público é maravilhosamente tolerante. Perdoa tudo, menos o gênio”; e a sobriedade de Whitman. Por algum tempo, como Oscar Wilde, também eu acreditei profundamente em um homem simples. Um homem de barba, como Whitman, que vinha do povo, como ele, que tinha os valores do povo e que saudava o homem rústico, o homem simples: “Não me fechem as portas, orgulhosas bibliotecas, / Pois justamente o que estava faltando em tuas prateleiras apinhadas, / É o que venho trazer”.
O homem simples em quem um dia eu acreditei parecia trazer, na própria vida, o conteúdo alternativo das bibliotecas oficiais cujas portas lhe tinham sido fechadas. Esse homem simples, quase analfabeto, sentira na pele o sofrimento da fome, da falta de oportunidades, da pobreza. Esse homem não faria alianças sujas, redimiria toda sorte de injustiças, não trairia a confiança depositada em que sonhou com uma estúpida espécie de redenção possível. Era a esperança contra o medo.
Há anos-luz do talento de Wilde, também vivi em meio aos livros e tive educação e certo conforto. Como Wilde, fui embalado por anos pela imagem de um homem simples, de barba. Como Wilde, metaforicamente, bebi da taça de vinagre que um homem simples me ofereceu.
As semelhanças terminam aqui. A minha história não tem um final feliz.
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