29.6.25

MEMÓRIA DESIMPORTANTE


Depois nasceu meu irmão.

Menos de dois anos foram o suficiente para ameaçar meu mundo. Respondi com calundus, mordidas de tirar sangue e muita manha.

Não lembro. Disseram. E foi suficiente para entrar no imaginário popular dos que se interessaram em lascar com minha vida e poluir as memórias da infância. Não que houvesse muito a ser poluído, deixemos claro.

Mas não era de mim que falava, mas do inoportuno meu irmão, destinatário dos calundus, mordidas de tirar sangue e muitas manhas.

Como conseguir esquecer do episódio: O Remédio do Seu Bidal!

Nem sei se o nome era esse: seu Bidal. Podia ser Vidal, mas a memória registra mesmo um B e um remédio para tosse cuja perda foi atribuída a ele, meu irmão. Um episódio de que ninguém deve se lembrar, mas que não me abandona.

Meu irmão jurava que nem chegou perto do remédio do vizinho da fazenda da nossa infância no interior da história toda, mas meu irmão não era de confiança e seu juramento e nada eram a mesma coisa. Não escapou de muita surra. Ou nem surra mesmo houve, só acusações e defesas vãs. 

Como meu irmão tinha acesso à gaveta onde Seu Bidal guardava seu remédio? O que importa hoje — e sempre —, é saber como é que eu nem sequer tinha visto Seu Bidal e meu irmão tinha acesso até à gaveta dele. A mim é que jamais acusariam já que nem Seu Bidal eu conhecia. 

Ele pode até não ter tocado no remédio, mas criou, certamente, todas as oportunidades para isso.

Onde eu estava? Perdi todas essas oportunidades e muitas outras.

Meus calundus, mordidas de tirar sangue e muita manha podiam até ser memoráveis, mas não deviam ser muito eficientes se nem sequer em um remédio de um vizinho eu era capaz de dar fim.

Mas quem se importa, afinal ? Meu irmão não está mais aqui e ninguém se lembra dessa história sem importância.

Só eu!

2 comments:

Anonymous said...

você é divino. beijos lhe
e amo

Cláudio Melo said...

Goulart, você é um ótimo contador de histórias. Consegue dar contornos de drama a uma mera lembrança da infância.