A veterinária nos havia dito que o parto aconteceria no máximo até o final de semana. Apesar de ser o seu primeiro parto, as gatas persas costumam corresponder ao que dizem as veterinárias regiamente pagas e a nossa era a maior especialista em gatos da cidade, ela própria com seis deles no seu apartamento de médio porte que dividia com a mãe idosa e a meia dúzia de felinos das mais finas procedências. Como era o caso da nossa bichana peluda de um azul aveludado.
Nós, ansiosos, nos revezávamos para nunca deixar a gata sozinha em casa naqueles últimos dias já que, como ela tinha um pequeno defeito na mandíbula, coisa pequena, de nascença, nem tínhamos notado isso quando a compramos ainda filhote e por quem pagamos uma pequena fábula, pois esse defeito a impediria de limpar a placenta dos filhotes e evitar que eles sufocassem após o parto. Estava tudo certo, passamos a sexta, o sábado e o domingo sem sair de casa ou saindo apenas um de cada vez. Mas passou o Faustão e o Fantástico e a nossa grávida nem tchum. Ela dormia no nosso quarto para emergências noturnas.
A segunda-feira chegou e teríamos que trabalhar, Mas a empregada estava orientada a ficar de olho na bichana. A qualquer sinal de parto ela deva ligar para um de nós dois que saberíamos o que fazer. Já havíamos lido todo o manual do parto dos felinos. A doméstica humana passou o dia inteiro de sobreaviso. Deixou sopa, cozido, feijão e o apartamento um brinco às seis da tarde. Eu chegaria às oito da noite. Não era possível que fosse esse o intervalo que a minha gata escolheria para parir.
Mas ao entrar na minha sala vi o rastro de sangue. O piso de mármore branco completamente sujo da placenta e os três filhotes mortos. Ela me olhava sentada ao lado do último cadáver. Eu olhava desolado para a cena com um tanto de nojo e perplexidade. Ela trazia nos olhos dourados uma resignação que eu não soube definir, mas não parecia abalada ou envergonhada. Como imaginávamos, ela não conseguiu limpar com a boca as vias respiratórias dos bebezinhos persas, nem comer a placenta. Morreram todos sufocados Deixaram um cheiro doce de sangue novo no piso de mármore branco.
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