19.11.10

O Ovo Estragado da Serpente


Nas últimas semanas estive de férias e, como faço quase religiosamente há quase uma década, me dedico a assistir ao maior número possível de filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que este ano completa sua 34ª edição. Esta é a minha concepção de sagrado...Mas não é sobre isso que pretendo falar aqui, sobre os 39 filmes que vi, as exposições e museus que visitei, as peças de teatro a que assisti...apesar de que a ideia original era essa, no meio do caminho a história se complicou um pouco.

Antes preciso dizer que fui convidado por um amigo responsável pelo blog de cinema do portal do Ibahia.com (www.portalibahia.com.br/blogs/cinema) para ser uma espécie de “correspondente” daquele site na Mostra de Cinema de São Paulo. Como meu amigo sabe que escrevo comentários sobre os filmes a que assisto, pediu que eu alimentasse o seu blog com as resenhas. Estava tudo indo bem, os comentários estavam sendo publicados normalmente quando eis que cometi o pecado mortal de falar mal de um certo filme. Entre os filmes que vi neste ano, alguns não mereceram elogios e outros foram verdadeiras obras primas. Então eu deveria aqui estar falando dos bons filmes que vi não é? Mas também não é sobre esses que pretendo falar.

Reproduzo o comentário que fiz (ele está lá no site do ibahia.com.) antes de introduzir o conflito que ele gerou: “AGRESTES foi uma decepção. Metade da sala deixou o filme na metade da projeção. Como deixei no meio, pode ser que mais gente tenha saído depois e olhe que a sala estava bem vazia. Esperava mais porque o filme é sobre uma atriz de quem eu gosto muito, Marcélia Cartaxo que foi premiada em Cannes há vários anos pelo papel de Macabeia em A Hora da Estrela. Depois disso ela nunca mais fez nenhum papel de destaque no Brasil, o que é um crime, pois ela é uma atriz fantástica. A diretora do filme Paula Gaitan apresentou à plateia seu “rebento” e ainda ficou para assistir. Esse é o tipo de trabalho em que o autor não consegue se separar da obra. O filme é de uma pretensão desmedida...a mulher filmou cabras, montanhas, bandeirolas, mais cabras....mais bandeirolas e uma hora se passava e só se ouviam algumas histórias de Marcélia, uma cabras berrando...uns troncos de árvore...uma chatice sem fim”

Qual a minha surpresa quando recebo do meu amigo administrador do blog o comentário abaixo, feito pela diretora do filme, Paula Gaitan por meio do Facebook: “Paula Maria Gaitán-30 de outubro de 2010 às 01:36-Assunto: denuncia - vou denunciar vc e seu blog pra policia e enviar um comunicado oficial pra mostra de sp falando sobre as grosserias e ofensas em relacao a minha pessoa , e ao secretario de cultura da bahia”.

Através do próprio blog, ela enviou o texto que segue em parte: “Revise seus comentários, e debata ideias quando vc estiver escrevendo bem o mal sobre um filme, e nao ofenda as pessoas principalmente, para abrir assim um espaço interessante de reflexão , do jeito que esta nao passa de uma grosseira desonesta participação , um desserviço, ” crónicas de um cinéfilo amargo e ignorante”, seja +humilde…..outra coisa é muito bom cuidar do “rebento” como vc diz, cuidar da projecção, dos aspectos técnicos ,é uma pratica que eu e muitos do meus colegas fazemos por respeito ao publico, estamos exibindo nossos filmes praticamente pela primeira vez nesses festivais….ironia+ignorância = esse lugar reaccionário que vc habita com sua mediocridade”

E é esse o ponto que quero chegar. Estamos vivendo no nosso país um período perigoso. Durante os últimos anos do governo do PT, temos visto diversas iniciativas por parte dos dirigentes petistas para censura aos meios de comunicação. O ministro da supressão da verdade, Franklin Martins e o seu chefe, o presidente Lula, tentam, a todo custo, implantar uma forma de controlar o conteúdo do que é noticiado na imprensa e também inclui aí a internet e suas redes sociais A imprensa livre não interessa aos petistas na medida em que a liberdade implica tanto denunciar a corrupção no governo quanto opinar livremente sobre alguma coisa, seja ela os hábitos etílicos do presidente (o que gerou uma quase deportação do repórter do New York Times) seja sobre qualquer opinião que se tenha.

A presidenta Dilma é cria do mesmo ovo estragado dessa serpente. Minha intuição tem me servido muito e sinto cheiro de censura de longe. Algo me dizia que essa tal Paula Gaitan (que ameaça me denunciar à polícia) devia ter uma veia petista ou provavelmente seria uma a ter assinado aquele grotesco manifesto em que um grupelho de artistas defendia o voto na então candidata Dilma. Ao digitar os nomes das duas no Google....adivinhe: a mulher estava lá, apoiando Dilma. Minha intuição não falha. Todos eles são iguais. Não podem ser contrariados que sacam suas velhas ameaças de censura e denúncia. Sinto o cheiro deles de longe. E o mais fascinante de tudo é que os apoiadores da então candidata Dilma, hoje eleita, são artistas que sofreram com a censura no passado como Chico Buarque e a própria Paula Gaitan que, soube depois, vem a ser viúva de Glauber Rocha.

Ora, estamos entrando num terreno realmente pantanoso. Sem nem de longe me comparar a Monteiro Lobato, há poucos dias vimos uma censura oficial a obras do criador de Emília, Narizinho e Dona Benta pelo Conselho Nacional de Educação que publicou no Diário Oficial parecer contrário à adoção de textos de Lobato nas escolas públicas. O autor da frase: “Um país se faz com homens e livros” e que criou o personagem Jeca Tatu para denunciar o atraso, as doenças e o primitivismo brasileiro, se estivesse vivo teria vergonha de ser brasileiro. Aliás, se algo de bom vem nos próximos meses é que deixaremos de reverenciar um homem que afirma reiteradamente detestar ler. Lobato não deve ser mesmo do agrado dessa gente.

No Falajuf de 19 de agosto de 2004 escrevi um artigo com o nome “O ovo da Serpente”. Ali eu comentava que um regime autoritário não se molda da noite para o dia, mas se faz em um processo de passos contínuos nessa direção. Dizia ali: “Os ladrões da liberdade do PT estão se espalhando. Sem que percebamos eles já pisaram no nosso jardim, já sujaram nossas soleiras, deixaram pegadas enlameadas nas nossas salas e quando menos esperamos, eles é decidem o que podemos e o que não podemos ler e escrever”. O ovo da serpente não se incuba rápido, mas cuidado quando ele tiver eclodido de vez.

E para não dizer que não falei sobre cinema, já que a premissa de todo este texto é um “delito de opinião sobre um filme”, recomendo a película do genial diretor sueco Ingmar Bergman, não por acaso intitulado “O Ovo da Serpente”, em que é revelado um painel de um país em que aos poucos criam-se as condições que levam uma nação ao obscurantismo e à adoração de falsos heróis.

1 comment:

danilo said...

Excelente texto Luiz. Nao concordo em tudo, mas a sua opiniao é muito interessante e bem desenvolvida no texto. Abs.