31.1.13

Amor



O filme Amor é a mais recente película do diretor austríaco Michael Haneke, famoso pelo estilo seco, cru e duro com que apresenta ao público suas terríveis histórias, sem concessões ou adornos, mas com brutalidade algo sádica que lembra um pouco a crueza do dinamarquês Lars Von Trier. 

Aqui, Haneke conta sua história com um elenco formado pelos monstros do cinema francês Jean-Louis Trintignant (Um Homem, Uma Mulher), Emmanuelle Riva (Iroshima, Mon Amour) e Isabelle Huppert (A Professora de Piano).

Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não leem boas críticas de cinema. A maioria diz que não quer ser influenciada pela opinião dos críticos. Então, se vê perfeitamente o que acontece nesses casos com o exemplo de Amor: salas repletas de pessoas de meia idade ou de jovens incomodados com o filme que aborda o drama de um casal de velhos em que o homem tem que lidar com o derrame e o definhamento físico e psicológico da esposa. 

Pessoas deixam as salas de tão mexidas pela história, ou por serem velhos e se anteverem próximos demais daquela realidade ou por serem ainda jovens demais para alcançar a dimensão trágica do que na tela se apresenta. Muitos, que ficam até o final, não escondem o seu desconforto ou o escondem para não parecerem insensíveis ou pouco inteligentes. 

Por que razão essas pessoas vão ao cinema? Por o filme ter sido ganhador da Palma de Ouro e do Globo de Ouro e estar indicado a cinco Oscar, inclusive melhor filme e melhor filme estrangeiro? Por que não leem as críticas? Suponho que se lessem saberiam que não é um filme pipoca nem um melodrama, mas um filme muito difícil, praticamente insuportável, o que não diminui a sua importância.

O filme não flui, como um córrego ou um rio, mas parece ter estagnado como uma lagoa traiçoeira e parece feder como um apartamento úmido e mofado. Com seus planos longuíssimos e poucos cortes ou movimentos de câmera, ele evolui muito lentamente, arrasta-se como um paquiderme, rumo ao desfecho antecipado na primeira cena: o horror a que estão condenadas todas as relações humanas de um modo ou de outro. Não há amor que resista à mixórdia de um corpo que se arruína e de uma mente que quase não está mais lá de tão deteriorada. 

Não há flores, lavandas ou amor que esconda o cheiro de um cadáver. 

Amor poderia ser só um filme, mas é mais um manifesto de Michael Haneke. O diretor não quer a cumplicidade da plateia, quer exibir uma ferida em carne viva: as relações humanas e sua deterioração lenta. Assim ele vem fazendo há anos com seus filmes assustadores como A Professora de Piano, A Fita Branca, Violência Gratuita e Cachê.

Não sei se o filme me acrescentou algo. Não sei se ele pretendia acrescentar. Talvez a sua seja apenas uma história como tantas outras, nem sei se merecia tantos prêmios, mas, inegavelmente, é uma grande coragem contar uma história assim num tempo em que a maioria das pessoas prefere ver casais de vampiros apaixonados. Talvez esse seja um filme dolorosamente necessário, como é necessário e doloroso espremer um furúnculo.

Emmanuelle Riva está indicada ao Oscar e merece o prêmio. Sua atuação é tão soberba e trágica, que se não levar a estatueta será porque a dor que transmite na tela incomoda ao ponto da repulsa. Aqui há uma contradição com a cena em que o personagem de Jean-Louis Trintignant diz à filha, personagem de Isabelle Huppert: “Nada disso merece ser mostrado ou exibido”. 

E, no entanto, estamos lá, na plateia a assistir tudo aquilo.

1 comment:

Unknown said...

Haneke não é para os fracos! Ainda estou me recuperando do soco no estômago que foi Violência Gratuita. Filme genial em todos os aspectos, mas desconsertante. Confesso que não tenho coragem de assistir mais um filme dele.