19.1.12

Os Imortais


Há uma máxima em Hollywood segundo a qual “jamais alguém perdeu dinheiro na indústria cinematográfica por subestimar a inteligência das platéias”.
Eis um desafio: escrever a respeito de um filme sobre o qual não encontrei absolutamente nada de bom para falar. Sou, desde criança, leitor compulsivo de mitologia grega, apaixonado pela história dos deuses e heróis desde criança, introduzido ao tema pela coleção Sítio do Pica-pau Amarelo de Monteiro Lobato. Os dois volumes dos 12 Trabalhos de Hércules foram o gás para vôos mais longos e profundos até conhecer mitologia grega como conheço a história dos meus amigos.
Essa longa narração é para explicar ao leitor que apesar de eu não ser leigo no assunto, mesmo conhecendo muito bem a história de Teseu com o Minotauro, Fedra, Zeus etc, fiquei muitas vezes perdido na história. Fico imaginando um expectador que não conheça tão bem o tema. O filme é uma farsa que não respeita sequer uma mínima coerência interna. Ele tem tantas falhas e é tão mal feito (me surpreende que seja da mesma equipe do espetacular 300), que precisaria dividi-lo em partes para começar a apontar os defeitos.
Primeiro, creio que o tema já foi explorado abundantemente e recentemente em Fúria de Titãs (refilmagem de um clássico) e também tivemos 300 e Tróia, esse último, outro filme que falhou demais com a mitologia.
Segundo, o que se via no cinema através daqueles óculos horrorosos de filme 3D era uma mutilação de um filme (para utilizar um termo bem adequado ao enredo). Muitas vezes, eu preferia tirar os óculos e ver borrões e não ler as legendas, pois a opção com os óculos era não distinguir os contornos dos rostos já que parecia que era sempre noite e uma névoa marrom cobria a tela prejudicando a visão.
Terceiro: Em cinema uma das principais atividades é a do produtor de elenco, a pessoa que seleciona os atores. Há uma expressão em francês, mas que se usa comumente em qualquer país, que é “physic du rôle”, ou, traduzindo, físico adequado ao papel. Pois bem, foram poucos os filmes em que vi um elenco tão mal escolhido. O ator que representa Zeus parece um jardineiro mexicano com um bigodinho ridículo. O personagem clássico Zeus é o que pode haver de mais monumental e ameaçador. Há uma iconografia consagrada nas estatuárias espalhadas pelo mundo e obras de arte mostrando-o como um homem barbudo e forte com ar dominador. Pegaram um ator que dava para ser um jardineiro, colocaram um bigodinho ridículo e disseram: você vai ser Zeus! Pelos deuses, que gente burra é essa?
Aliás o miscasting é disseminado. Fiquei com pena de ver o grande John Hurt com um papel tão humilhante para o seu talento que brilhou em clássicos como O Homem Elefante, Perfume, o primeiro e melhor filme da série Alien, 1984 e tantos outros.
Quarto problema: A História. Imagine se eu quiser contar uma história baseada no Velho Testamento e misture as coisas colocando Abraão na arca de Noé ou Moisés sendo amante do Faraó….coisas desse gênero. Obviamente, muita gente ia reclamar com razão. Pois então por que diabos esses roteiristas resolvem misturar tudo que tem a ver com a história de Teseu? Teseu era um príncipe que virou rei de Atenas, era filho do poderoso rei Egeu, matou o minotauro que era um monstro no labirinto da ilha de Creta, uma história consagradíssima, cheia de simbolismos, detalhes saborosíssimos e que esse filme simplesmente retalha como uma picanha no espeto. E Fedra era filha do rei Minos de Creta e não tinha nada de sacerdotisa mas era uma mulher comum que inclusive seduziu o flho de Teseu, Hipólito que lhe resisitiu e por isso, falsamente acusado por ela, foi morto pelo pai. Então se vê que a história do filme é uma farsa, um deliberado saque de uma rica tradição por um bando de bárbaros da industria do cinema para, com os despojos, conseguir o entretenimento de incautos.
Quinto problema: A montagem do filme deve ter sido comprometida durante as cenas de açougue. Explico: Esse é o filme em que a violência é mais explicita e grotesca em relação aos filmes do gênero. Quiseram mesmo fazer um filme ou um açougue? As locações estavam mais para um matadouro do que para um templo ou um túnel ou o que quer que seja. Para facilitar a compreensão das platéias, as montagens costumam rapidamente identificar o local em que a cena se passa quando há a transição da narrativa de um ponto para outro.
Exemplo: estávamos num penhasco onde aconteciam cenas. Há um corte e outra cena é mostrada em outro local e assim sucessivamente. Não há a menor preocupação em fazer um take mínimo como ilustração para que a gente saiba que vai ver outro lugar. É tudo misturado e confuso. Não surpreende que as pessoas não entendam.
O diretor Tarsem Singh, que estreou no gótico fantástico A Cela, abusando, no bom sentido, das cores vivas, dos figurinos elaborados e dos cenários espetaculares, aqui cai numa armadilha estética que ultrapassa de longe o grotesco, uma queda de qualidade de rachar crânios, bolsos e reputações.
Sexto problema: Por que só perto do final do filme se diz o nome de Fedra? O tempo todo a gente não sabe como chamá-la. E os deuses? Por que só três deles têm nomes? Zeus, Atena e Poseidon. Ninguém fala nada dos outros e eram tantos: Ares, Artêmis, Afrodite, Hera, Hefaistos, Deméter, Héstia, Hermes, Apolo, Hades, Perséfone….Nomes existem para serem usados. Faltou pesquisa na produção, virou uma mixórdia, faltou talento e sobrou arrogância….um filme todo errado, sem um único mérito. É um desafio encontrar um adjetivo negativo para resumi-lo. A crítica do New York Times chamou-o de “ESTÚPIDO”. Para mim, trata-se de um filme DESNECESSÁRIO!
Mas, como ninguém perde dinheiro ao subestimar inteligências alheias, o filme deve ter seu público. Há quem goste de açougues e matadouros com saiotes, elmos, espadas, sandálias e arcos mágicos.

3 comments:

Pérsio Menezes said...

Acabei de re-ler seu comentário. Eu acho que vc foi econômico, ou seja... não conseguiu abordar toda a "ruinhez" do filme. O problema é que ao contrário de outros filmes ruins, nem dá vontade de falar muito sobre ele.

Realmente a escolha do ator de Zeus vai entrar para a história como a pior escolha de um ator para viver um personagem EM TODOS OS TEMPOS. Sério... nunca vi nada pior.

Pérsio Menezes said...

cara, o filme é inacreditavelmente ruin. não dá pra especular o que se passou pela cabeça das pessoas que fizeram.tipo... coisas ruins são ruins pq não conseguem alcançar o resultado a que se pretendemesse filme, não dá nem pra vc vislumbrar entender o que as pessoas que fizeram queriam fazer

Pérsio Menezes said...

Só discordo que seja um filme desnecessário. Acho que é um MUST. Esse filme é um exemplo de tudo que não se deve fazer no cinema. Vai ser fundamental em qualquer curso de cinema do mundo.